Que tirasse do chão

Que tirasse do chão

Precisava de um verso

que me tirasse do chão.

Drummoniano, ou não.

Versos que rasgassem veias,

expusessem entranhas

e revelassem as vísceras

que habitam os mais

profundos abismos

dos insólitos homens.

Um poema de amor

ou de um assunto qualquer,

mas que revelasse a arte

da construção das palavras,

das sangrentas ideias

laboriosamente surgidas

de alguma inspiração.

Procurei por toda a parte.

No teorema de Pitágoras,

nas madeixas de Medusa,

no tormento de Tântalo,

na doçura da cicuta,

nos poderes de Zeus.

Quem sabe me contentasse

com o silêncio das flores,

um encontro de família,

um espasmo de felicidade

ou uma xícara de chá.

O verso não veio

e a noite foi de total abandono.

Onde andam os poetas

que não socorrem os aflitos?

Por que escondem seus versos

no âmago de seus egoísmos?

A poesia jaz moribunda.

Restou um amontoado

de frases desconexas.

Mas por que procurar o nexo?

Por que subtrair o sexo

e derramar-se na própria expiação?

Recolhi meus sentimentos,

escondi minha indignação

e adormeci embalado

pelos sons da mediocridade.