Orfeu e a ópera (poema dramático)

Canto XX

Canto XX

Quero compor uma ópera!

Quero compor uma ópera

Onde seja um monólogo

Que represente não mil

E nem milhões, cuja as vidas,

Não brotam mais dos mortos.

Vou apresentar-me ao palco;

Palco, vazio, porém cheio.

Vou estar lá, só, sem iniquidades

Diante das flores que assistem à vida.

Quero compor uma ópera!

Quero compor uma ópera!...

Serei eu, Orfeu, o compositor da língua.

Não das notas, mas da língua.

Ó, solidões, dá-me este libreto

Que escreveste com tuas palavras,

Sem distinção de maestro ou usura.

Deixa tuas palavras soarem

Em meu lírico canto, e sem penar:

Joga-me ao maior Coro – sem a Grécia!

Desse dia ao eterno, irei exibir-me para

O Universo que tudo compõe,

Ao Sol que tudo vê e guarda, à Terra

Que abriga o Céu e o Inferno em um só ser: eu, Orfeu.

Argh! Quero compor uma ópera!

Quero compor uma ópera!

Quero que o cenário, solidões, seja os séculos!

Porque numa ópera onde o público

Não se enxerga, tudo é jogado ao exímio!

Isso distancia-me da vida. O quero longe de meus louros!

Quero ser caótico como os céus em meio

As matanças feitas pela ordem.

Não mataram humanos – mataram a vida!

Ela que morre, desgraçadamente, em um palco

Medido pela comédia descarada e abrupta

Da galhardia em meio as cicatrizes

De uma flor etérea e harmônica: a desordem.

Argh! Quero compor uma ópera!

Quero compor uma ópera

Onde minha orquestra, já desafinada,

Tome isto como virtude! Eu não quero ser perfeito!

Eu quero ser um vivo – não aguentarei esses deuses!

Como irei tolerar a perfeição enquanto faço

Parte da hermética palavra “imperfeição”?!

Como tolerar!? Como irei compor uma ópera?

Quero eu, Orfeu, guiar a Luz onde há Escuridão

E Luz, mais Luz!

Quero compor o Medo. Mostrei ao público

O que é o Medo...

Esmaga-te nas pedras, Perfeição.

Joga-te ao mar, esquece teu canto de sereia,

Não me seduzas com um canto

Que não existe!...

Esmague-te nas pedras!

Não viole os hinos com suas regras!...

Esmague-te nas pedras!

Esmaguem-se, vaidades!

Minha luta, se é a verdade, não terei decoro

Ao dizer esmaguem-se nas pedras, vaidades!

Argh! Quero compor uma ópera!

Quero compor uma ópera

Sobre vertigens da mais escatológica

À derradeira definição do abominoso.

Se canto o mundo, não terei como esconder,

Meu coração de espelhos:

Onde não revelam minhas faces –

Revelam as monstruosidades do abismo.

Encarei-me espelho, Plateia de rosas.

Quais daqui, desse Jardim, olharam-se no espelho,

E não se reconheceram na farsa de suas fantasias?...

Avistavam-se, em terra devastada, uma ilha

Nunca explorada, quiçá nem consciente.

Monstro de multidões, não tens medo de ti?

Como é olhar ao espelho e não temer

O que não fizeram ainda?

Como é andar no chão do sangue de quem sofreu?

Não te traz remorso algum?

Como é viver sobre um cemitério que foi esquecido?

Onde nadas sem ter uma poeira ou areia

De um corpo qualquer?

Tuas atrocidades, Ópera obsoleta,

É andar nos mármores dos lutos de sangue

Com naturalidade e ordem...

Tua marca, é a sina de quem viverá,

Mesmo que, ela, não saiba quem és.

Querem escrever uma ópera, Rosas do palco?!

Desmanchem tuas vaidades no espelho,

E se joguem nas monstruosidades,

Que todos os corações criaram de si!

Tornem-se o abismo, o mar, a desgraça

E toda a tragédia que vocês são!

Grande Orfeu
Enviado por Grande Orfeu em 13/12/2023
Reeditado em 16/12/2023
Código do texto: T7953331
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