Procissão
Estou ajoelhado recolhendo as pedras que me jogaram;
Estou ferido, sangrando a púrpura que me deram;
Estou fraco à penumbra da sorte, à beira da morte;
Estou gemendo sem fôlego interior algum;
Contrito com a insensatez dos homens;
Atônito com o dissídio humano.
Um beatro prosta e reza. Tem nos calos seu troféu,
Não refreia pois a língua. De que adianta?
Um santo ergue-se nos lambos largos dos fiés,
Sim ou não. É apático, capitalista. Santo?
Estou farto de promessas já cresci.
Cadê os homens bons do livro? Cadê o sagrado livro?
Estou distante o bastante pra fugir,
Mas, perto demais pra negar as visões;
Sanguessugas armadas dos pés à cabeça;
Ditam, dilam. Dias, destroem.
Ninguém vê, sente ou diz porque. Mas;
Segue a cruz. Segue a procissão.
Me deram pão e circo, de manhã.
Me dão água e riso a noite.
E seria motivo pr'alegria infinda
Não fossem as custas que disponho
Não fossem o quadro abstrato que risco,
Sem saber o que são linhas e eles
O que são formas, imagem e limites..
Estou cego pro doidivano ego deles
Pela impáfia e conformismo meu e seu.
Nossas cabeças num prato, servidas à hóstia.
Ofertadas a quem da espera e erro além.
Estou mudo e caquético vejo-nos descer a rua
Queimar as mãos com as próprias velas
Que derretem-se ao canto fúnebre. Cansei.
E segue a cruz. E segue a procissão. Acordo.
Estou quase no fim do começo para os que pensam
Que as pedras, o cansaço, o pão, a água, a cegueira,
Podem deter ou suprir a fuga desta ilha à mera esperança.
Desça da cruz. Adeus a procissão.