Procissão

Estou ajoelhado recolhendo as pedras que me jogaram;

Estou ferido, sangrando a púrpura que me deram;

Estou fraco à penumbra da sorte, à beira da morte;

Estou gemendo sem fôlego interior algum;

Contrito com a insensatez dos homens;

Atônito com o dissídio humano.

Um beatro prosta e reza. Tem nos calos seu troféu,

Não refreia pois a língua. De que adianta?

Um santo ergue-se nos lambos largos dos fiés,

Sim ou não. É apático, capitalista. Santo?

Estou farto de promessas já cresci.

Cadê os homens bons do livro? Cadê o sagrado livro?

Estou distante o bastante pra fugir,

Mas, perto demais pra negar as visões;

Sanguessugas armadas dos pés à cabeça;

Ditam, dilam. Dias, destroem.

Ninguém vê, sente ou diz porque. Mas;

Segue a cruz. Segue a procissão.

Me deram pão e circo, de manhã.

Me dão água e riso a noite.

E seria motivo pr'alegria infinda

Não fossem as custas que disponho

Não fossem o quadro abstrato que risco,

Sem saber o que são linhas e eles

O que são formas, imagem e limites..

Estou cego pro doidivano ego deles

Pela impáfia e conformismo meu e seu.

Nossas cabeças num prato, servidas à hóstia.

Ofertadas a quem da espera e erro além.

Estou mudo e caquético vejo-nos descer a rua

Queimar as mãos com as próprias velas

Que derretem-se ao canto fúnebre. Cansei.

E segue a cruz. E segue a procissão. Acordo.

Estou quase no fim do começo para os que pensam

Que as pedras, o cansaço, o pão, a água, a cegueira,

Podem deter ou suprir a fuga desta ilha à mera esperança.

Desça da cruz. Adeus a procissão.

Michael Wendder
Enviado por Michael Wendder em 09/07/2009
Código do texto: T1689831
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