Sonho envenenado

Eu sou só a sombra

carregada pelo vento

que talvez descubra

o felizardo momento

quando um mago eu achar

que possa vir me despachar

Minh’alma rosna como um cão

na prisão de carne onde acampa

mesmo assim, fica só a estampa

negra da sombra neste sujo chão

Ainda hoje ouço aquela rispida voz

como se fosse um monólogo cênico

da cordas vocais do esfomeadissimo albatroz

na noumenalidade do sintoma esquizofrenico

Vendo outros rindo o dia inteiro

eu acho o caso muito esquisito

igual a um fantasioso mito

da bizarrice de um terreiro

A minha sombra, desdo berço

teve aquele seu religioso terço

esperando da cobra satânica o rapido bote

as suas presas vidradas na minha epiglote

E ainda agora, já sendo eu moço

sinto o par profundo de orifícios

são fruto de dois afiadissimos dentrificios

a tatuarem eternamente o meu pescoço

É por isso que ao dormir,

fecho meus olhos e vejo

o sorisso tão nefasto do desejo

as minhas custas, a se divertir

e vejo um templo do amor promiscuo

à maior insignia dele eu vou e risco-o

Com uma satisfação imensa, eu pixo

na irracionalidade completa do bicho

todas as cenas falsas do amor terrestre

atrapalho o grande médico e o seu paciente

e acordo o casal depois da núpcia dormente

indo se embora aquele sonho pedestre

Com o som a lembrar o Big Bang londrino

acaba-se o regresso aos tempos de menino

E volta as preocupações pesadas do adulto

de ser apenas cadáver de fábrica insepulto

Alguns vêm até mim para me acusar

“preferia a hipnose vindo me enganar

agora focalizo o mundo sem a lente da pilula”

escarneço da gigantissima ingratidão deste ser doente

mas talvez não o dê razão por nunca ter sido demente

nunca foram viciadas nenhuma das minhas células!

Prevendo que talvez a mesma conclusão

chegue na mente de mais um outro insão

pelo hormonio de fuga apenas não morro

olhos ensanguentados nas paredes corro

uma saida no desespero medonho a procura

mas vou sentindo o meu inevitável cansaço

vai endureçendo a perna já dura como o aço

em que a fibra muscular da perna transfigura

A corrida ao fim de um longínquo hall encerro

e penso ter trago comigo o milagre da chave

mas vejo que há o maldito entrave

na inexatidão geometrica do ferro

Olho em volta e esses zumbis intoxicados

vão fechando um cerco por todos os lados

me dizendo num coro monstruoso e gótico

não queremos saber se isto tudo aqui é real

nos liberte desta vala malcheirosa e mundial

pouco nos importa nosso vicio no narcótico!

E de subito, na violencia eletronica que é um choque

eu acordo com a cabeça no chão e meu corpo suado

não sei se é de sangue ou lágrimas esta poça ao lado

que outro pesadelo o subconsciente não mais envoque

Depois daquele delirio, sou o excepcionalíssimo vigia noturno

sem o incomodo burocrático que são as mudanças de turno

cuidando até mesmo da matilha de um lobo que aqui mora

sua bestialidade não é maior que a desses humanos lá fora

E me tratam pelos nomes mais esdrúxulos possiveis

“ lá vem o homem – fera, com suas garras incriveis”

faz-me um bem tremendo a alma de fera assim fazê-lo

é que quando, na brincadeira, eles vêm e me mordem

eu sinto que mais estes buracos me restauram a ordem

que aquela venenosa cobra me retirou com o seu apelo

Ernani Blackheart
Enviado por Ernani Blackheart em 28/05/2011
Código do texto: T2998297
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