A VALA
Sentou na sarjeta
Como se sentisse uma forte dor de cabeça
Imundo, como se fosse lixo
Não sabia mais se era homem ou se era bicho
Levantou oblíquo
Perambulou perdido
Procurando sentido
para seu peito ferido com inchada
Nele já não batia nada
Seu peito era uma vala
A vala
É onde tudo acaba
A vala pode ser grande ou pequena
Mas na vala não cabe seu carro e nem um poema
E nada que valha a pena
Nada que o valha
Fará com que escape da vala
Na vala não tem classe social
Na vala não importa o seu bem patrimonial
Nem matrimonial
Não importa se foi infarto
Câncer, AIDS ou bala, ninguém é imortal
Criança, velho deficiente ou normal
Não tem preconceito à vala
Sentou na sarjeta de frente para vitrine
Olhou seu rosto refletido no espelho
Viu seu rosto, tosco, feio, sentiu cheiro
de esgoto, nojo, bueiro.
Lembrou-se de quando era criança
Melhor tempo da vida sem dúvida é a infância
Escola, namoradas, amores, amigos, festas
Depois veio a faculdade, trabalho, dinheiro, casa
Simplesmente já não vê mais sentido em nada
Sentou na sarjeta de frente para vitrine
Olhou-se nos olhos, sentiu agonia
Sua mente repetia:
Vala! Vala! Vala!
Que vala?
Que bala?
Que valha
Apena ter vivido
Que vala?
Que bala?
Que valha
Apena encontrar sentido
Em qual fala ficou perdido?
Só se ouviu o gemido
Em qual vala encontrará repouso para o seu corpo ferido?
Vala
Que enterra
Sua falha
Vala
Que cala
Pra sempre
Sua
Fala.