TEATRO DA LOUCURA

Você nem percebeu,

mas as luzes estão apagadas.

Ninguém apareceu

e as portas estão fechadas.

A ribalta está vazia;

não há atores em cena.

O público lamenta: que pena!

Acabou nossa alegria.

Mas eis que os portões estão se abrindo;

não do teatro, mas sim, do manicômio.

Os loucos estão fugindo.

Há quem diga que é obra do demônio.

- Tende piedade - implora a beata.

- Viva o capeta - grita o roqueiro.

Os malucos roubaram um magnata

e levaram seu carro e todo o seu dinheiro.

Roubaram a loja e o mercado;

levaram roupas e comida.

O prefeito está desesperado

por ver a cidade pelos loucos invadida.

A polícia cerca tudo.

- Não vão passar! - Diz o comandante geral.

Mas logo o mesmo fica mudo

ao ver loucura que não vira antes igual.

Os malucos xingavam os rapazes,

paqueravam as donzelas

e, sem pudor, soltavam seus gases

com as nádegas expostas na janela.

Mas, de repente,

eles se viram obrigados a parar

sob a mira de um fuzil.

Era um aposentado militar,

tão puto como nunca se viu.

Se alguém ousasse lhe desafiar,

com certeza,

ele mandaria para aquele lugar.

Então o velho disse, muito brabo:

- Eu sou um coronel!

O que vocês estão fazendo é festa do diabo?

- Não (alguém gritou) é festa do céu.

Um dos loucos, então disfarça

e diz para os outros a meia voz:

- Poxa, agora perdeu a graça,

o cara de preto é mais louco que nós.

O cara de preto, em questão, era o capelão

daquela desgraçada cidade

que era muito triste até então,

mas alí podia ser marcada

pelo início de uma era de felicidade,

pois o padre achava a situação engraçada

e não via maldade não;

convocou, então, pessoas boas ou ruins

para uma grande oração.

- Deixem de lado o espanto,

agradeçam ao Espírito Santo,

a arcanjos, a querubins;

sei lá, não importa.

Que se dane esse coronel!

Vamos agradecer ao Pai do céu.

Pedir a Ele que abra a porta de sua moradia;não apenas para nós, almas sensatas,

mas também a esses loucos, almas vadias.

O coronel no meio daquela praça,

percebendo o momento delicado,

ficou tão sem graça que,

se pudesse teria, no traseiro,

aquele fuzil colocado.

Mas tudo bem, ninguém é perfeito,

"vamos conversar", disse ele todo sem jeito.

- Venham cá, seu padre e seu prefeito.

Decerto, temos um problema,

mas para todo problema há uma solução;

só não me deixem na mão.

Tipo assim:

se eu perder a moral com essa gente;

será, para mim, o fim.

Tenho que honrar a patente.

O prefeito diz:

- Fique tranquilo, meu amigo,

eu vou te salvar;

tenho o dom da oratória;

espere até eu começar a falar,

reconquistaremos a glória,

mas agora, vá se limpar.

Aí o prefeito, todo prepotente,

empina o nariz,

vira para aquela gente

e diz:

- Diante dessa situação indolente...

O capelão interrompe:

- Fecha essa matraca,

seu demagogo indecente!

Deixe que eu falo aos plebeus,

pois sou o representante de Deus.

O capelão vira para o pessoal:

- Com vocês, meus filhos,

não vejo nada de mais,

mas quero conversar com vocês, malucos.

É com vocês que me preocupo,

porque ouço dizer

que vocês são filhos de satanás.

Eu não acredito, mas...

E aí? Não vou falar outra vez;

outra chance, não terão mais.

Quero ouvir vocês.

Aproveitem! Amanhã de manhã,

estaremos em todos os jornais.

Então, um dos pirados,

com o domínio da autoridade,

falou todo educado e,

até com muita humildade:

- Seu padre, com todo respeito,

sei que não sou perfeito,

mas aqui, ninguém é.

Queremos apenas ter o direito

de sermos aplaudidos de pé.

Existe um teatro alí na encruzilhada,

fechado e abandonado,

nós temos uma peça montada e

gostaríamos de ver

nosso espetáculo encenado.

O prefeito, tentando fazer "uma média",

por estar ao lado da primeira dama,

pergunta todo confiante:

- É uma comédia?

O louco responde:

- Não, é um drama.

E sei que a resposta é desconcertante,

mas não tenho outro jeito pra dizer;

desculpe, prefeito, mas o que posso fazer?

Não obstante, não fique envergonhado

diante de sua mulher,

pelo menos o senhor tem mulher;

nós não temos nada, a não ser

um leito de hospital

e um médico pra nos dizer:

"É, você está mal".

-Mas isso não é verdade.

Mal mesmo, está essa cidade,

que vive o tormento

de não ter nenhum entretenimento.

Vamos criar um novo movimento teatral,

onde se retrate a loucura como normal.

Convoco todo o povo, que tal?

Vamos melhorar um pouco essa cidade

e trazer aos loucos, um pouco de felicidade.

Com camisa-de-força e injeção,

nenhum de nós vai melhorar.

Temos o direito à liberdade de expressão;

queremos rir, chorar, dançar e cantar.

Nesse momento, os outros loucos,

com imensa alegria,

aproximaram-se um pouco

e iniciaram uma coreografia.

E como se não pudesse bastar,

apenas aquela dança,

começaram a cantar,

parecia festa de criança.

As lágrimas escorriam

nos olhos de todos,

porque todos perceberam com louvor,

que aquilo estava sendo feito com amor.

Diz a mulher do prefeito:

- É, bem que o capelão falou,

que festa de "demo" que nada.

Isso é festa do Senhor.

O prefeito não disse nada,

mas fez com a cabeça que concordou.

O coronel, devidamente sujo em sua roupagem,

mais parecia marujo de primeira viagem

e com seu curto pavio, exclamou:

- Mas que sacanagem!

Ninguém me convidou

pra esse rendez-vous.

- Data venia, coronel,

só não lhe mando tomar onde devia,

porque não ficaria bem pra mim,

na minha posição de prefeito.

O povo perderia o respeito,

com toda razão.

O que comprometeria

a minha reeleição.

Agora, se eu fosse o senhor,

pegaria esse fuzil,

daria meia-volta, volver;

a fim de desaparecer do Brasil.

Na esperança de um perdão,

o coronel pergunta ao padre:

- Mas aí, eu iria pra onde?

- Ah, para aquele lugar,

que só não digo, porque é palavrão

e não fica bem pronunciar

na minha condição de capelão.

Apos ouvir o sermão,

o coronel, em sua última tentativa

de resgatar a moral,

reclama em voz altiva

pra assustar geral:

- Não tem nada, não;

mas quero ver a tal peça.

Vocês vão ou não vão, afinal, mostrar?

E um louco, então, respondeu:

- Senhor coronel, com sua permissão,

acabamos de apresentar;

o senhor só não percebeu,

porque estava a esbravejar,

parecendo ser mais doente que eu.

O coronel se convenceu, então,

que deveria pôr o pé na estrada,

com o fuzil na mão

e a calça toda emporcalhada.

Houve um grande festejo,

uma grande alegria

que a todos dominou.

Hoje o que vejo

é que, desde aquele dia,

a cidade mudou.

O hospício, transformado

em escola municipal.

O teatro, reinaugurado,

nada mal.

O padre, quase foi excomungado,

mas deu tudo certo no final.

Até o prefeito conseguiu se reeleger!

Pra você ver!

Todas as manhãs, ele com sua demagogia,

gritava da janela da prefeitura:

- Viva a democracia!

Abaixo a ditadura!

E para a alegria do povão,

ele também decretou

uma nova proposta de cultura.

Indo contra a razão,

mas, em favor de sua candidatura.

"Bendito seja o prefeito!

Bendito seja o capelão!"

é o que diz a escritura,

que hoje, figura no portão

do Teatro da Loucura.

Adriano Soares
Enviado por Adriano Soares em 20/05/2014
Código do texto: T4813467
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