ESPELHO

Quando olho no espelho,

certa dúvida me atinge:

distorço eu o que vejo

ou o reflexo que finge?

Falo assim por não querer

o meu ser subjugar...

(o ponto que me norteia

não norteia o de lá?)

Mesmo quando a luz acendo,

me vem uma coisa escura

que some feito duende

diante da armadura;

se acredito que pra cada

coisa há uma primeira vez,

considero que haja a ultima

raspa de sensatez;

ouvindo portas que rangem,

pisando pratos que quebram,

sombras passam, vultos correm,

fantasmas nunca segregam:

pela greta da janela

a inocente beldade

me fita mirando nela

meu arsenal de vaidades;

ou será mesmo cortina

o que insisto em realizar

como se fosse a menina

insone a me admirar?

Subindo e descendo vou-me

degraus em grau de martírio;

derrapada, medo e queda

me sangram o supercílio;

agora estou na cozinha

com medo da geladeira

que fecha e abre (sozinha)

dia adentro e noite inteira;

vou de vão em vão passando,

me recobra um velho cisco

a me incomodar os olhos,

abertos, correndo riscos

de ficar sem a labuta;

de cair sem machucar;

de não mais ter a batuta;

de dormir sem acordar;

de andar mordendo correntes,

os dentes sempre piores;

minha solidão insiste

em chamar de "pormenores';

mas voltei ao velho espelho

e estava escrito em nanquim:

"sou eu que finjo pra ele

ou ele é quem finge pra mim?"

Cassio Calazans
Enviado por Cassio Calazans em 16/09/2017
Reeditado em 16/09/2017
Código do texto: T6115510
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