O INSTANTE E O ABSURDO

Era o começo do tempo.

Era o começo de todas as coisas.

Existiam apenas dois irmãos...

O Fogo e a Poesia.

E bailavam pela vastidão da compreensão...

Até que seus olhares tornaram-se estranhos...

Estranhos demais. Estranho demais para dois irmãos.

Houve um trinco na realidade...

E na loucura do instinto desfez-se a fraternidade...

Do amor estranho nasceram gêmeos macabros...

O Instante.

E o Absurdo.

Frutos do medo incandescente...

Frutos do mais puro verso demente.

Pelos meus tragos escorre minha sanidade.

Pelos meus sonhos traguei a Criação.

Na supremacia do meu código há apenas a Amizade.

Meu ardente relato do Tempo, meu cárcere, é meu único bastião.

Eis que no correr das lágrimas caminhei no temporal.

E por sob o murmúrio dos trovões encontrei o primeiro irmão.

Foi na estranha sensação da solidão que encontrei o primeiro imortal.

E sussurramos nossos devaneios e trocamos sangue por sacra profanação.

Desde a tempestade meu verso nunca mais fez sentido...

Pois meu caminho não pode mais ser imaginado ou, sequer, compreendido.

Trilho o asfalto das cidades e lamento o horror das vaidades...

Na busca por nobres sentimentos encontrei as maiores atrocidades.

Na distopia do meu Humanismo endureci... Rocha e ferro... Fortaleza.

Criei labirintos de espelhos e me perdi nos ermos da minha tristeza.

Sinto falta do meu amigo da tempestade... aquele Instante.

Sinto falta de tudo que hoje para ninguém é mais importante.

Sinto fala da valiosa sinceridade e da misteriosa verdade...

Sinto falta da mítica bondade e da esquecida lealdade.

Mas sou assim e não penso em mudar...

Luto sozinho com minha flâmula nas mãos.

Sou velejador do destino e vivo para o mar...

Morro lutando essa guerra, mas morro com a espada nas mãos.

E é nessa minha outra história que ele, o outro imortal, apareceu...

Nos meus pesadelos eu enfrentei as tormentas mais grandiosas...

E no olho do furacão eu encontrei o outro gêmeo, o Absurdo...

Pois que desde então minhas lágrimas são mais saborosas.

A cada passo... A cada mar velejado...

A cada passo... A cada céu desbravado...

Tudo mudou. Meu olhar, meu verso.

Tudo mudou. Meu verso, meu sentimento.

Sou força do Tempo. Órfão da Criação.

Observador do Instante e do Absurdo.

Observador do verso incandescente...

Observador da minha própria explosão.