O que pensam os corpos?
As vezes a vida faz viver coisas e dias tão tristes que confesso....só o cheiro dos cadáveres me consola.
Sua carne podre anuncia ao novo ser que dele vem sobre a perversão do mais exímio conceito de solidão...um corpo estirado na calçada do subúrbio que sente a dor do repúdio, seu cheiro exala a essência de uma vida que se derrete sob o sol de trinta e cinco graus e faz os verdadeiros podres vivos se afastarem indiferentes. E assim, por um elemento olfativo apenas, alienam toda a história e vida de alguém que é agora apenas o incômodo de uma cena do negrume cotidiano.
Já o corpo que descansa no matagal, e que enquanto vivo conheceu a maldade do coração humano que espalhou no chão sua hóstia e misturou ao pântano seu vinho quente..
O que ele se sente ?
desesperado por não ter ninguém?
ou desesperado pela possibilidade de a qualquer hora ser atormentado por qualquer potencial algoz?
livre? Ou preso à possibilidade?
O corpo que se conserva na neve dos mais altos montes, se preocupa com a eternidade daquela frieza que antes só frequentava seu coração?
se preocupa por não apodrecer?
Será que pensa na tortura de estar sempre tão perto do sol e dormir com as noites rogando calor?
Pensa que a desgraçada lâmpada mesmo tão perto não lhe iluminou o momento da partida?
Está ai leitor, se há uma dúvida que sempre me acompanha é o que pensam os corpos
Mas de todos óbitos que penso sempre caio em um mesmo raciocínio geral, que é interessante para mim pensar que a morte pode ser apenas uma estranha lei do equilíbrio; que morremos vorazmente a cada dia perdendo a pureza do nossa consciência, e o corpo não aguentando seu divórcio com a alma decide então apodrecer e se igualar a ela,
casamento ao contrário da mente e corpo...separados eternamente até que a morte os enlace.
Eis então que paro de perguntar como é tudo depois da morte, pois sei que um lindo e feliz casamento meu comigo mesmo me aguarda longe da insensatez humana a nos invejar; pergunto sim como é o vazio da eternidade pré-nascimento, jogado a esmo, perdido da morte,e sozinho na vida.