A quintessência de Orfeu

No resquício do tempo, ainda perpétuo,

Cantarei o mundo neste parco alvorecer.

O guiarei na jornada de um dia.

Andarei sobre o solo do meu fim

Cantando, cantando e cantado.

Não deixarei em meu féretro

Partitura alguma nem verso.

Deixarei minha voz ecoando,

E por isso basta, pois nos sonhos

Que virão um dia, ainda cantarei,

Sem reconhecimento, talvez,

Isso me caberá. Serei o primeiro.

Serei a rosa emblemática que guiará

A humanidade ao seu tempo inaudito.

Tempo este esquecido na palavra.

Tempo este lembrando como eras

De fábulas e mitos, restando-se

Ao um esgar velho e fraudulento.

Mas, isso não me deixa absorto,

Isso só faz parte de minha vida.

O que resta a vocês é lindo.

Mas se perde em um pomar

Sem tronco, sem vida.

A música que toquei não

Esfacelará seus ouvidos.

Ela não existe a vocês.

Não quero existir ao meu legado.

Por ele não serei uma personagem.

Minha canção encanta as feras,

Mas não encantam suas criações,

Ó triste criação dos tempos!

Ó mísero tempo que voa nas cabeças,

Mas tentam e ainda atentam supri-lo,

Com céus de mármores e mil trovões

Aos vermes vivos... Para vocês, ó retratos

De si mesmos, esqueçam teus pastos...

Lembrem que o resto é silêncio.

Mas o meu, este meu resto reles,

É ainda mais luzidio. A minha morte,

Ainda que morte, não se engana

Pelo além; mas sim pela memória...

O meu resto, ainda que resto, é barulho!

Grande Orfeu
Enviado por Grande Orfeu em 23/02/2024
Código do texto: T8005445
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