Curupira

Nunca fui homem de adentrar matas virgens,

Mas em mim já cresceram todas as matas devastadas possíveis

Matas essas que me amendrontavam quando menino

E hoje as enfrento com tesão e ousadia de caçador feroz-felino.

Será que o menino em mim morreu?

Ou será que nasceu outro menino?

Será que ele ficou valente?

Será que ele descobriu que a terra

Não passa de enrosco de paraíso com inferno na gente?

Ele dança como vaga-lume;

Canta como cigarra;

Se excita com as picadas das mutucas;

Sente o atrevimento dos instintos das árvores e suas diretrizes;

Se alimenta vorazmente de carne crua, capim e raízes;

Se banha na embriaguez do curso das águas;

Se compadece do canto triste das aves notívagas...

E suas mágoas;

Se perde nas pegadas tortuosas e confusas do Curupira.

Ele deseja em sua pele verde tocar.

Acariciar seus cabelos de fogo sem medo de se queimar.

Sim.

Sua urbanidade o agride, enoja e desencanta.

A postura? O emprego? O papel na sociedade?

Tudo mentira!

Ele quer ser o poderoso Nada!

Ele quer ser a brisa da Mata!

Melhor amigo dos macacos.

Ele quer montar na garupa do porco do mato.

E dentro dos olhos guardiões do Curupira,

Conjugar na oração da língua da natureza

O seu mais incisivo e efêmero hiato.