Trabalho de bicho preguiça

Se fosse índio, trabalharia todo dia

Seria guarda da noite.

Se fosse índio, vigiaria as estrelas.

Cuidaria e zelaria platonicamente uma

por uma

Como rosas de faíscas.

Índio seria jardineiro da noite,

plantando, molhando com os olhos

mudando tudo de lugar.

Se fosse índio, não teria nome.

Aliás, seria o Índio.

Índio é nome! Gente do mato

Sem pecado. Só ternura.

Se fosse Índio, amaria a cada olhar.

Essa coisa de se apaixonar a cada dia,

Semana, coito, ano, é bobagem de

branco.

Bicho terno ama tudo que vê.

Amaria o fogo do céu

Como a terra ama a mim

Cantaria a eternidade de cada faísca,

Para que nenhuma luz perecesse no

breu.

Na noite do mato, pularia no céu de

água.

Nadaria no Xingu como estrela que

arrasta o rabo na noite.

No espelho do céu, mim também seria

estrela.

Certo que sou Índio dispo-me.

A partir de hoje, todo dia é dia de

índio!

Se fosse Índio, seria apagado.

Apagado com fogo, que é coisa da

selva que branco roubou.

Seria silvestre, caçado. Bicho

Pra estandarte.

Só por maldade.

Se fosse Índio, talvez, nem seria índio.

Ora, o vento frio da noite me abate

Ora é pedra que voa, queima e fura.

Ou morro por mim, na pedra da

justiça.

Se fosse Índio, casaria com a noite,

seria ave de montanhas altas

Vigia da noite não olha vagamente

para as luzes do chão

Pela ternura, e por amar a cada olhar.

Privo-me utopicamente, a vigiar e

bailar com as luzes

Por uma noite, sou cacique do céu e

permaneço na

Minha eternidade.

Índio rasgado de

faca,

Índio furado de bala, Índio do mato,

do céu e do mar

Terno como aurora, luz a clarear.

Sou oca da essência estrelar.

Agora sou o Índio, com olho fixo nas

estrelas

A zelar.

Bicho preguiça estirado no chão, cumprindo hora no dia sem relógio, sem salário, nem suor no trabalho.

Guardar a clareira da noite é presente

Do Sol, por mim tanto amar."