Sutilezas

(...) Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.

Fotografei o perdão.

Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.

Fotografei o sobre.

Foi difícil fotografar o sobre.(...) (O Fotógrafo. Manoel de Barros)

Costumo andar por caminhos solitários

buscando o que ninguém vê

Entro no ônibus e dele saio

com algumas expressões na mente

todas imperceptíveis a outrem

Vejo árvores em formas diversas

fotografo os corações os rostos

a ventania que faz bailar as flores de alguns galhos

que ninguém vê

Já vi nos olhos do namorado

outra pessoa

tão vívida

tão real

enquanto me dizia :Eu te amo!

Senti em abraços envolventes

uma ausência de verdade

tamanha

que se uma foto fosse tirada

o nada sairia na imagem.

É difícil ver o Nada.

Eu vejo!

Tenho o hábito de atentar ao

tom ríspido da voz

ao olhar desviado

ao excesso de pedido de desculpas

aos descompromissos

aos vazios

E a sinfonia dos insetos de verão?

São tantos!Os sons se alternam

como se cada espécie tocasse um instrumento

até que uma cigarra,somente uma

domina a orquestra

até estourar!

Gosto de revirar as cigarras e os besouros também

que perdem o equilíbrio

e ficam de perninhas pra cima.

Ah o sobrepeso!Ou mera tentativa de sobrevivência!

Cada vez mais tenho visto poesia

nas coisas desimportantes

Talvez seja porque

o excesso do eu-me-basto

me fez voltar para o imperceptível

que é a essência

que não carece de holofotes

e nos toca a alma

quando se nos revela.

O Manoel que me habita desde menininha

vem me desassossegando o coração

mas sem alvoroço

sem estridências inúteis

que nem colibri na flor de hibisco

ou de brinco-de-princesa.

Amarília T Couto