Doces Lembranças

Lembranças, o que são elas,

senão momentos únicos que alimentam o presente

Seis anos, eu ainda menino, cheio de descobertas pela frente,

sonhos, mas sonhos de momentos..

Lembro de um, que de fato ficou aqui gravado.

Tinha 6 anos, não mais, era dezembro, fomos passar as férias na casa

de meus avós, cidade do interior, sinal de coisas boas.

Cinco horas da manhã, não mais que isso,

lá fora pássaros já anunciavam o novo dia,

saltitando de galho em galho e eu ali,

num quarto escuro, casa de minha avó, lugar modesto, de chão batido,

paredes feitas a barro e madeira, um paraíso.

Silêncio, nenhuma voz, todos ainda dormiam cansados do dia anterior.

Havíamos saído para uma pescaria, onde todos menos eu,

conseguiram fisgar um peixe,mas eu, quase.

Desde pequenos sempre tivemos este espírito de pescador.

Ponho-me de pé, o medo do escuro e de saber ser o único ali

que despertara, me faz ficar atento a qualquer ruído.

Agora ouço barulho de chinelos se arrastando pelo chão batido,

descem o corredor em direção à cozinha, espero uns minutos,

e me arrisco àquela aventura descobrir quem era o dono daqueles passos.

Sigo de mansinho pelo corredor, chego à porta da cozinha,

e ali vejo um corpo franzino, lá pelos seus setenta e oito anos,

marcado pela vida difícil de pessoa humilde.

Arcados sobre o fogão a lenha,

seus braços o percorriam com tanta leveza, como a saber

de seus atalhos pois ali sobre ele, passaram-se anos de sua vida.

Ela se vira, me vê ali, olhos acesos, sorri,

acena pedindo que chegue mais perto e me beija,

pondo-me em seguida sentado à mesa,

e num instante surgiu em minha frente um café negro como o quarto,

de perfume até hoje inigualável.

Pão feito no forno de barro, obra de meu avô.

Ela senta-se à minha frente e passamos a nos deliciar com o banquete.

Permanecemos ali calados, só com troca de olhares.

Terminado o café, levanto-me e sigo em direção ao corredor

onde encontro minha mãe e meus irmãos que me questionam:

O que eu fazia ali naquela hora da manhã, porque não os chamei?

Nada respondo.

Viro-me, olho o rosto de minha avó e sorrio.

Ela me devolve o sorriso sem comentar

o que ocorrera ali momentos atrás.

Corro em direção ao quintal.....

Até hoje lembro desse momento, onde por quase uma hora,

sem pronunciar uma única palavra, fomos avó e neto,

mãe e filho, fomos, cumplicidade, amor, carinho, respeito.

Pena que não pudesse tê-la em minha vida por muito tempo.

Antes de completar 8 anos, ela já não mais estava ali.

Coisas da vida, hoje entendo.

Sei que jamais se perderão de meus pensamentos.

Doces lembranças... doces lembranças de minha avó...

Doces lembranças.