O Lamento de Deus

Eu vim de longe, acredito

Catando esmeraldas nesse desolado caminho

Resistindo como pude

Eu prometi não chorar, prometi não desistir

Toda noite antes de dormir

Eu buscava nas estrelas, no sopro do vento

Eu fazia minhas orações em silêncio

Mesmo sem acreditar... Como pode existir algum deus nessa dor?

É tão comovente se martirizar

Ser herói num mundo onde eu mesmo sou o vilão

De um lado a lágrima cai, do outro nada além

Numa mão a vida que jorra pelas florestas, na outra: vastidão

Deus desse mundo improvável

Alimentando essas gotículas de vida

Deixando vagar por entre as veias da Terra-Mãe

Sangue inocente, sangue puro e honesto

Me perdoe por não poder voltar atrás

Por não poder remontar as peças quebradas

É tarde pra se arrepender, mas eu vejo minhas partes

Cada uma seguindo pra um lado, deixando sempre manchas na tela

Mesmo pequeninos são maiores que eu

Meus pequenos arquétipos, filhos do meu furor

Não posso secar suas lágrimas hoje

Mas durma bem, meu anjinho... Um dia a morte vem

E um dia eu vou te abraçar com um amor que não inventei

Vou te mostrar um canto do universo onde sofro sozinho

Nem os anjos, nem a vida ou a morte me alcançam

Algumas vezes eu lamento não poder morrer

Mas não tenho pra onde ir, se tudo parte daqui

A minha lágrima criou o mar, eu soprei o vento

Moldei o mundo inteiro, mas não soube conquistar seus frágeis corações

Quem vai me pôr no berço, e ninar meus anseios eternais?

Diga algo pra me fazer sentir melhor

A minha justiça não permite escolhas

Por que não foi tão simples quanto imaginei toda uma eternidade?

Por que quando te dei asas quis beber meu sangue numa taça do ouro que eu mesmo teci?

Por quem vou gritar?

Minhas belas criaturas ignoram meu lar

E eu queria sorrir, queria deixar o véu divinal

Mas hoje aqui apenas em teu quarto, observo teu sono...

Distante das esferas... Eu lamento...