Três Sonetos Esparsos

A tarde passa, branda, e uma ave rara,

Em seu bailado, dá ritmo ao céu.

O sol posto num esquife se equipara

A um morto coberto por um véu.

O mundo inteiro nessa hora pára,

Cessa de vez o humano tropel.

Minha alma é cavaleira visionária

No dorso de um transcendente corcel.

Resta no ar um místico enleio,

Uma religiosa adoração

Por tudo o que existe, e o homem diz: “Creio!”

A noite desce e com ela a escuridão,

Volta o tumulto, dessa vez sem freio,

E já não há pecado nem perdão...

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A vida arde em todas as quebradas,

Pontes, viadutos, prédios, casas tortas,

Em cujas mais de setecentas portas

Se vêem entrar as almas arrastadas.

Estoura o delírio pelas madrugadas,

Os carros parecem luzes absortas

arrastando um bando de folhas mortas

E um bando de estrelas escravizadas.

Os bares são igrejas de almas pagãs,

Na aguardente litúrgica do ofício

Que é viver, todas as almas são irmãs,

Na religião universal do vício

Que é consolo para as carnes malsãs,

Cujo interior se abre em precipício.

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À noite, atento, escuto

vozes, ecos ancestrais

que vêm do absoluto

em grandes ondas surreais.

São seres vivos num bar,

nas ruas cantando a vida,

procurando se achar

numa rua sem saída.

São vozes universais

reverberadas no vento

que vêm dos céus abismais

e resumem o pensamento

das criaturas mortais,

imortais no seu momento.

Vagner Rossi

Vagner Rossi
Enviado por Vagner Rossi em 26/04/2011
Código do texto: T2931912
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