Se é que posso pensar

Queria ser pimenta

da mais picante, ardida, vermelha

Nunca gostei de vermelho

por isso não sou quente...

Ardida nunca pude ser

já que meu sabor você não quer sorver

Picante também não

Pois que nem encostar em você posso

Você não passa sem ela

Seus olhos brilham em completo deleite

companheira inseparável

nada tem gosto, cheiro, sem ela

Quanto mais picante, mais desejada

enquanto durmo sozinha, sem me sentir amada

Vermelha, leva ao delírio

degusta-la é seu maior anseio

E eu aqui envelhecendo

sem sequer me ver apreciada

sinto-me lua diante do sol

encoberta por seu esplêndido brilho

Não posso ser perfilada

esbelta, cheirosa e atraente

Beleza nunca tive aos seus olhos

Nem vigor, nem sabedoria o bastante

Sou da lida, do dia a dia

do feijão com arroz, do trivial sabor

Nada adornada que pareça encanto

nem o canto dos meus lábios ecoa mais

Não tenho picância para lhe deixar rubro

sou comum, sem sal, sem nada

Não posso ser Eva, desejosa do poder

nem quero pretender dominar todo saber

Sou silêncio, fadiga, suor

Doença contagiosa, sem beleza, nem cor

Nem amante, nem deleite, nem prazer

dou trabalho, vergonha, dissabor

Sou apenas esposa, papel, sobrenome

Enquanto a vida grita beleza, esperteza e fama

Fico calada num canto, feia, burra, na lama

A limpar latrina, cuidar feridas, dores, sem nome

Nádia Maria
Enviado por Nádia Maria em 06/04/2013
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