GUERRA CIVIL, POR MIGUEL TORGA
É contra mim que luto
Não tenho outro inimigo.
O que penso,
O que sinto,
O que digo
E o que faço,
É que pede castigo
E desespera a lança no meu braço.
Absurda aliança
De criança
E adulto,
O que sou é um insulto
Ao que não sou;
E combato esse vulto
Que à traição me invadiu e me ocupou.
Infeliz com loucura e sem loucura,
Peço à vida outra vida, outra aventura,
Outro incerto destino.
Não me dou por vencido,
Nem convencido.
E agrido em mim o homem e o menino.
(Orfeu Rebelde, Coimbra, s.c.p., 1958, pp. 10-11 e 58-59.)
- O poema de Miguel, cujo título é extremamente interessante, enuncia a maior guerra de todas, que é a interior. Lidar consigo mesmo é tarefa árdua, gera muito conflito e angústia. Mas é necessário.
Ao nos depararmos com os nossos fantasmas, devemos ser corajosos. E ser corajoso nada tem a ver com não sentir medo. É sentir medo e seguir em frente.
Me surgiu uma frase na cabeça, de David Foster Wallace:
"A mente é um excelente servo, mas um senhorio terrível."
Claro, há um quê de ingenuidade em pensar que podemos ser senhores de nossa mente, mas vale a tentativa de aproximação entre o que desejamos e o que efetivamente fazemos.
Para nos tornarmos menos perigosos para nós mesmos, é necessário trabalho, atenção e muito cuidado. Com o autoconhecimento é possível mitigar um pouco dessa animosidade e nos aproximar mais daquilo que gostamos em nós mesmos, nos tornando mais afins daquilo que somos.
Guerras interiores sempre serão travadas, mas há que se lembrar que, diferentemente de outras guerras, essa é uma guerra liderada por apenas um general: você mesmo. Então trave essa batalha com carinho e bastante cuidado, uma vez que o maior interessado é você.