Fontes cinéticas (vidas utópicas)
É melhor viver uma vida buscando utopias
do que esperar o dia anoitecer.
Muito embora as noites também possam vestir
nobres roupas de festejar
os amanheceres, alvoreceres, adormeceres, eterneceres...
Mas nunca é aconselhável esperar
o amanhã, incerto, impalpável, por vezes inatingível...
A vida cobra de si mesma
- cerzida ao enredo de suas próprias fissuras –
em todos os momentos, mesmo nos menos portentosos,
todos os movimentos possíveis,
e mesmo os aparentemente inatingíveis,
a fim de fazer o dia se apressar em sair de si mesmo...
Ela só se sacia ao se ver prenhe
do que até possa ser inexistente,
mas cuja busca persistente seja capaz de (re)inventar
o próprio modo e formas de se instalar, passar a existir,
dando essência ao antes não visto,
(talvez por ser, a muitos, invisível
o que agora se transfigura em algo tocado pelo devir).
Existir que, entrementes, se remodela
ao se deixar resvalar por seres
que almejam o ser mais terno.
Aqueles seres cujas bases e fontes cinéticas
não dependem de estações,
não se dobram aos meros caprichos dos ciclos naturais,
não se acossam ante as rochas
(mesmo as mais resistentes),
sejam ígneas, magmáticas, metamórficas
ou quaisquer outras que perpassem as embaladas
mas também refreadas humanas realizações.
É, enfim melhor, perceber
que tudo se metamorfoseia!
E, mesmo sendo deveras a vida dura,
profana, por vezes insana,
aqueles seres eivados de renitente ternura,
estes sim, duram,
permanecem, plasmam-se em tudo o que se tornou luz,
a partir de si mesmos, de suas mãos,
coligadas ou colididas com inúmeras redes
fluxos, fixos, fatos, sejam feios ou belos...
Afinal, mesmo as rochas mais férreas
se talham ante os lumens mais cortantes.
Mesmo as dores mais obtusas
se cortam ante as forças escônditas,
(porque feroz e dialeticamente destrutivo-construtivas)
das almas argutas, persistentes,
afiadas no combate às fábulas
dadas a urdir e trançar vidas despidas de sentido,
destas que, estas sim, não merecem ser vividas...
(Poema extraído do Livro: "Geografia em poesias: tempos, espaços, pensamentos - Luiz Carlos Flávio).