Quando o eu lírico era eu mesmo.
Quando o eu lírico era eu mesmo,
Eu calava que nem bode degolado;
Montanhas despencavam no meu lombo,
Era um boi de piranha fustigado.
Quando o eu lírico era eu mesmo,
Eu sofria de amores pela musa;
A pena ofegante desliava
Capenga, triste, torta e obtusa...
Quando o eu lírico era eu mesmo,
É a letra que matava a todo instante;
Lenda viva que pastava sempre atenta
Ao relho ou ao troar de um berrante.
Quando o eu lírico era eu mesmo,
Me deslocava, à esmo, pelo tempo;
Sofria de amor e de saudade
Nas dores do meu próprio pensamento.
Quando o eu lírico era eu mesmo,
Os sonhos eram longe como a lua;
Que o olhar enamorado só contempla
À sombra da verdade nua e crua.
Hoje, que o eu lírico é um estranho,
Apanho, mas descarto a mais valia;
Montanhas? Deixo a fé tomando conta
E a pena corre solta na poesia.