Do ofício e das horas
cabe ao poeta
engolir as madrugadas
e amanhecer o verbo
no peito das palavras
cabe ao poeta
a estranha lida
de construir andaimes
nos sonhos que exercita
cabe ao poeta
insurgir a vida
e praticar rebeliões
sob medida
cabe ao poeta
alinhavar o tempo
e caminhar pela calçada
impunemente
cabe ao poeta
ser quase marinheiro
e navegar as âncoras gerais
que se cravam no peito
cabe ao poeta
promover os sábados
à condição de domingos
e distribuir as horas de riso
como gerente dos sentidos
cabe ao poeta
não se pentear
a não ser em espelho
que apenas comente sua face
cabe ao poeta
abster-se da morte à tarde
e nunca morrer sem verbo
que lhe resguarde
cabe ao poeta
os infartos
não os do corpo
mas os da alma
cabe ao poeta
todo discurso
que em não sendo palavra
tenha lógica mais justa
cabe ao poeta
guardar a outra face
e tanger a noite do mundo
com seu grito de liberdade.