Surdez

A vida?

Pode ser definida

Como um punhado de olhares,

de sorrisos, ou milhares

De tragédias, de cantares

De amores imprecisos...

A vida pode ser noite,

Pode ser dia, lusco-fusco.

Há quem diga que a vida é teste

Pra aprender o suave no brusco.

Mas pra mim, a vida é som.

Só som.

Que começa no S crescente

E leva ao M minguante.

E não dura mais que uma onda.

Uma simples onda sonora

Que se arrasta por várias décadas,

Semanas ou simples horas,

Cujo fim pode ser futuro

E o final pode ser agora.

Sim, a vida é som!

Que começa no S crescente

E leva ao M minguante.

Mas as vidas, como os sons,

Se diferem, discrepantes.

Você pode ser o som da buzina do sorveteiro,

Que é sim repetitiva,

E todos sabem escutá-la.

Ela atrai os sons dos berros mais felizes das crianças.

E é assim, tão altiva

Que a orquestra se instala.

Você pode ser o som daquele grito agonia

Ou de dor irresistível

Que perdura até o fim.

Sempre cheio de tristeza de pesar, melancolia,

Rouquidão mais invisível

Amargura, tudo assim.

Você pode ser o canto do passarinho na gaiola,

Que convoca a liberdade

E lamenta o céu azul.

Você pode ser o pranto da mulher pedindo esmola,

Ou daquela com saudade,

Pode ser maracatu.

Você pode ser a nota do piano desafinado,

Que pensa em desistir,

Abandonar a sua sina.

E um dia, eis que entoa a 8ª de Beethoven

E se cala eternamente

Com aplausos que fascinam.

Você pode ser forte como o rugido de um leão,

Ou tranquilo como as ondas que se quebram no verão.

Você pode ser discreto, crepitando na lareira.

Ou amado como é despertador em segunda-feira.

Mas eu?

Eu quero ser breve.

Como o último adeus,

Ou tiro na madrugada,

Ou vaso contra a parede.

Posso ser só uma granada!

No mais, só de uma coisa eu tenho certeza...

Eu sou aquele som que só se escuta uma vez

Pois toda vida tem seu fim

E o fim do som é só surdez.