muralha inquieta - caminho da memória

Corro dentro do meu corpo

as sombras

As sombras invadem-me

como o sangue

me corre

nas veias

As sombras são os meus abismos,

puxam-me para dentro de mim

e vertem em mim a luz

com a intensidade com que as lágrimas

se agarram às raízes do rosto

O vento é o único caminho da memória

que me conduz a lugar nenhum

Debaixo da sombra crescem-me lugares

que só os cegos veem

e o vento toca a escuridão dos meus versos

e descobre-lhes o rosto vazio

de deus

Envolvo-me na memória

e no desencanto dos dias eternos

vazios e sós

Aqui, onde me encontro

no único lugar vazio de lugar nenhum,

espreito as vozes tardias que bordejam

a escuridão da noite

antes de me abraçarem

Há feridas abertas no céu da noite

que mais ninguém vê ou ousa ver

senão eu

Dentro de ti o silêncio e as palavras por dizer

com medo de te mostrares

Acorda…

quando vires os teus olhos a verem-te

é tarde,

porque já a sombra e a noite escreveu de ti

que após as últimas pás de terra a cobrirem-te

e a aconchegarem-te as ossadas

nada mais encontrarás para interrogar

senão a paz mórbida e podre da sepultura

© Alvaro Giesta, in Muralha Inquieta

- publicado em https://www.facebook.com/alvarogiesta/notes