Velhas matrizes
Se o ano é novo, nada adianta, nada se espera,
se o rumor das idéias traz em si matrizes velhas.
O sonho assim não rola, o novo assim não sela.
Se os espaços não se renovam, os mundos não se revelam:
dias, noites não mais encantam, pessoas não se encontram,
novos sóis não se despontam ao abrir nossas janelas.
O que é que vamos fazer com toda velharia
que alimentamos todos os dias, nos anos passados,
e que continuam renovados no ano novo,
entalhados em atalhos da edição de toda vida,
no trabalho e na ciência, na condução da corrida
ferreamente sem paciência, de desumanos universos
e projetos desconexos?
Não adianta ir adiante com a ilusão auto-triunfante
de que o tempo mudou, se regamos a todo instante
os sistemas abjetos, inumanos, sem pudor
que o ano velho não sepultou.
Não faz sentido crer de novo que o ano velho,
de algum modo, ao nascer do ano novo se renovou,
se sua essência traz no bojo a excrescência que dá nojo
do real homem robô
e também do homem roubado,
marcado por macabras
formas de ver, e ser...
Quais alternativas abrigará o seio de nossa existência?
Quais comportamentos e paliativos teremos
diante da cultivada insurgência da ganância laureada,
plasmada de anuências?...
Quais atitudes vamos pôr diante do medo do outro
e da indiferença ante sua eternizada dor?
Onde vamos esconder, do mundo,
a fome de pão, trabalho, consciência?
Onde vamos enterrar o luto pelas fomes epidêmicas,
(enredadas pelo mundo)
cuja maior é a fome de mais amor?
E me diz agora, o que você vai fazer
diante do espelho, além de regar a ilusão
do amanhã com saídas,
plantando contudo crenças esvaídas,
sem nexo de vida, que embora prometida
ao virtual esmero,
vagueia sob o espocar dos fogos novos
que indagam pelo enterro
de vidas e idéias nossas tão velhas?!...
(Poema extraído do Livro: "Geografia em poesias: tempos, espaços, pensamentos - Luiz Carlos Flávio).