Vidas tributárias, estuárias
Vidas tributárias, estuárias
Todos somos tributários de nossos trabalhos,
estradas, enclaves, estrelas, estreitos.
Temos ares de seres estuários.
Somos velhos malabares
testando vias, correndo mares,
sofrendo despeitos, querendo entalhes,
plantando espelhos, colhendo migalhas...
Todos vivemos à esteira de imagens e guias.
Também somos espelhos, somos
velhos e iguais, nada mais que outros seres banais.
Mas somos, ao mesmo tempo,
como o mundo em que estamos,
troços esmeros e desiguais, sob forças que
borbulham sempre vivas por demais,
de vidas presentes, futuras e até
mesmo ancestrais...
Todos somos, qual rios correndo ao mar, como
águas sedentas de tantas trilhas que seguem.
Somos singelos talvegues, gostosas ilhas e sais.
Somos rebentos fortes de gente que lança a sorte
e vive querendo mais, atiçando fogos, alçando
portos, buscando cais...
Somos alados tal qual o vento,
ares desvairados aos quais não contenta,
no mundo tão badalado, abalado
o ser-estar-viver parados.
E semelhantes, ainda, ao mar, viajamos em
correntes infindas mas, diferentemente,
conseguimos voar e levar ao infinito
um poder em si bonito: fazer a vida decolar, se alar.
A qualquer tempo que seja,
tudo em nós é algo que se deixa
- seja na terra, no ar, no mar - buscar vida
e seus desejos infinitos e ritos de tudo amar.
Sob mil instintos e atritos,
buscamos o terno fito do eterno querer tudo
e todo o mundo oxigenar.
Somos nossas estradas e forças
cravadas no seio da terra.
Somos caminhos abertos,
uns mais bem feitos, outros incertos
que tanto erram, cujos vimes
e espelhos neles se enterram
e encerram paragens onde
sempre imperam (in)certas vontades.
Somos vidas tributárias de trabalhos e entalhes
pelas lutas cravadas em espaços e tempos
que, como o vento, alados, são espelhos
e espelhados, de vontades lendárias,
de certezas malabares, de correntes estuárias.
Eis talvez a grande beleza
- não sei se virtude ou desgrandeza -
que nos doou e cravou a sublime natureza.
Seja na terra, águas, ar, podemos descer voar
e, nos mundos por nós traçados, podemos
tecer almas espelhadas, trançar laços
enredados pra sermos, assim,
por essência, inescapáveis malhas,
almas, por natureza, aladas,
vidas de belezas tributárias!
(Poema extraído do Livro: "Geografia em poesias: tempos, espaços, pensamentos - Luiz Carlos Flávio)