Semeios

O poeta, o ritmo, o tempo,

as cercas, as vestes, a água, tudo isso passa!

Como propala o dito popular em vernáculo lapidar:

“até as uvas passas...”

Também as ervas passam. E mesmo os bois

que delas se fartam e que os homens laçam com as forjas

ou forças dos braços e deles talham simples sapatos...

Assim, o que de ervas e bois existiam em tom vivaz,

tudo um dia se foi, se passa, se vai...

Vejam que igualmente passam, perseguidas pelos matos,

as feras que os homens caçam

e os cavalos inocentes, que pastam,

estes cujos cascos se gastam,

nos asfaltos e concretos, em duros trabalhos

considerados, pelos homens, como sendo honestos

(o que não vale para os cavalos,

já que lhes ceifam seus futuros,

assim feitos funestos)...

Enfim, de todas as coisas,

quase nada foge às forças humanas,

como os próprios destinos das massas.

Pois, sejam gentes senis, pueris ou bem meninas,

todas são pessoas que se gastam um dia,

quanto até pastam, se desfiam.

Com o tempo, perdem o brilho e passam!

Mas, seguindo o dom do raciocínio,

talvez, por vez, com mais refino e certo espírito de alento,

é importante enriquecer o bom tom do pensamento.

Pois a gente é assim:

se a uva é pisada, para dar o bom vinho

que o paladar experimenta, com gente, todavia,

que tanta coisa no peito sente,

o tom da vida cobra um jeito diferente.

Só faz coisas boas e enfrenta o atropelo do cadinho,

(e todas forças bravas e entraves ou tempestades

que invadem os seus ninhos)

as gentes que, ao invés de ver maldades

espalhadas pelas passarelas,

ao invés de ter que pastar e dar-se ao desgastar,

pela vida nada bela - que morre ao passar ,

as gentes que vêem, isso sim,

jeitos de vida nos próprios confins,

vêem sentido nas velas, no barco, no vento,

nas pinturas e telas estampadas nas paisagens e tempos

e nos mais singelos momentos

do existir, dos pensamentos,

dos dias, noites e seus rebentos.

A questão a meditar é sobre as luzes do bem viver,

por outras coisas poder ver;

é sobre o sabor de outros gozos provar,

por poder outras coisas gozar!

Vida que nos apraz é a que nossas almas satisfaz,

tornando-nos capaz - em nossos mínimos viveres -

de valorizar as coisas e prazeres,

mesmo aqueles mais banais.

E isso eu mesmo comigo trago:

as coisas só fazem sentido

quando fazemos o que é do agrado,

quando encontramos braços amigos,

quando encontramos o afago e o bem

e um pinguinho de bondade

nas coisas que pra gente vêm.

Assim a gente se torna capaz , também,

de fazer o bem para seguir,

na frente ou atrás, a jornada,

enchendo os outros não de desgostos ou de porrada,

mas das próprias coisas encontradas,

pelas veredas e estradas:

não o gosto do simples se desgastar,

pastar, enquanto vê a vida passar,

mas de simplesmente ser capaz

de cultivar outros alinhos, entrever os outros lados

dos ateios de afagos, dos semeios de carinhos

pelas beiras de caminhos.

Por isso, meu amigo, lapidarmente eu lhe digo:

enquanto pode, o homem foge, se evade,

mas, ao mesmo tempo enfrenta os veios

de quaisquer destinos, ao tempo que planta,

enfrenta redemoinhos e renova caminhos.

Enquanto tudo isso transcorre, o homem corre,

estende esteios de nobres mundos alados

e, ainda ao mesmo tempo, vive fugindo, embalado.

Fugindo, isso sim, dos semeios de infames freios

que alguém inventa, querendo gente

com de vida de gado!

(Poema extraído do Livro: "Geografia em poesias: tempos, espaços, pensamentos - Luiz Carlos Flávio).

Luiz Carlos Flávio
Enviado por Luiz Carlos Flávio em 16/05/2015
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