Ela, eu?

A moça não era Capitu, mas também tinha olhos de ressaca. Grandes, imensos, como que para suportar a tristeza que carregava.

Nos olhos e no coração.

Ah, mas o coração... Este era pequeno demais para o incessante transbordar de sentimentos, para sua empatia descomunal.

"Isso é normal?", ela se perguntava.

"Mas que é normal?", logo retorquia.

E assim vivia, existia, escrevia.

Bebia a cerveja que repulsava, fumava os cigarros de uma vida.

Lembrava do pai.

Olhos injetados de uma raiva idiopática, rosto vermelho e molhado de lágrimas embriagadas.

Lembrava da mãe.

Sua língua ferina, alma de pipa avoada, inquietação, energia e fúria de mil cafeteiras cheias.

Lembrava dos professores que diziam que ela nunca seria alguém.

Dos amores que se foram, e que levaram pedaços dela também...

Os melhores amigos pra sempre que não duraram mais que meses.

Das pessoas que viu da janela do ônibus ou na rua algumas vezes.

Restaurava mágoas apenas por distração, para ter algo em que pensar, se refutar, se dar razão...

Desenterrava momentos sem querer, e aí, querendo, recriava diálogos que nunca aconteceram.

Uma pausa por um momento,

gole no café, o cigarro acabou,

mas no cinzeiro tem uma bituca com um fumo que restou.

Acende e escuta os sons do mundo, trilha sonora da vida.

E atina que o segredo dela é

o mesmo da comédia: tempo.

Thainá Mocelin
Enviado por Thainá Mocelin em 26/06/2015
Código do texto: T5290643
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