Dormindo na rede
Sentado na rede frouxa
Balança o velho sem medo
Sem propósitos
Inseguro
Olha baixo,
como quem lê o chão
Procurando formigas
Ou migalhas de restos de comida
Passam os segundos
Depois de tanta vida transcorrida
Fazendo não ter falta
Os minutos adiantados
No velho relógio atrasado
Torto
Pendurado
Na parede de tinta descascada
O velho que se parece estátua
Com olhar molhado
Respiração difícil
Emudece o que não tem mais voz
Se arrepende sem necessidade
Chora calado
Saudades
E nunca sorri
Aquele sorriso banguela
O mais verdadeiro
E o mais raro
O velho não olha para os lados
Não se ouve nada
De ouvidos outrora
Tão espertos
As pernas frágeis
Quando em pé
cambaleiam
O coração palpita
Descompassado
A pele morena bem gasta
Mostra quanto caminho
Caminhou
Para encerrar a estrada
Só
Numa rede frouxa
Com pouco balanço
No peito muitas sujeiras
Couro liso e limpo
Alma escura
Áurea corroída
O sangue engrossado
Correndo pausado
Quase estacionado
A vida ainda passa
Com descompasso
A rede tem sintonia
Devagar o balanço pára
O sono vem
Olhos cerram
Um ronco grave
Com pardais ao fundo
Gritando
Felizes
A falta de sentido
De viver sem razões
O velho
Chora
Pelo motivo dos pardais
Enquanto a rede
Com cordas apodrecidas
encerra
Calada
Seu balanço