Um Cinzeiro

Restos de cinza, pólvora incinerada e disforme,

as sobras de um fogo voraz que se consumiu

seguindo piamente o traçado rastro uniforme;

tão depressa a profunda certeza se esvaiu.

Topei o giz contra o vidro, e o pó assentou-se suavemente

na plana superfície espelhada do copo de requeijão,

então, ascendendo opaca, vi na fumaça indecente

os restos esquecidos de uma antiga convicção.

Os homens não são seguros —tampouco eu o seria.

—, consumimo-nos em brasas, numa metamorfose sútil,

não ensaiada; uma gozada peça teatral de agonia.

Por que não seria a dor, então, irrelevante e fútil?

Lamente comigo, um cinzeiro farto de memórias

que, como os entulhos, repousam ali, ranzinzas,

pois já ateamos fogo às coisas perfunctórias,

e delas restou-nos somente um punhado de cinzas.