Menino de pés descalços

Entre troncos e chibatas

Feridas não curadas

Entre balas perdidas e sonhos adormecidos

Clandestinas valas

Resistência!

Negligência!

O menino da periferia sonha de pés descalços

A bola no pé

Um tanto de fé

É o menino remando contra a maré

Maré alta, branca e oportunista

Maré elite

Meritocrata

Escravagista

É o século vinte e um a prosseguir Quatrocentos anos

A bater na porta

Da mãe preta nas três conduções lotadas

Que chora calada

Todos os vinténs que não tem

Todos os medos que tem

Do filho preso ou morto

Na estatística

Da perícia que diz

Que a bala não vem da polícia

Mas o menino sonha

Com a camisa amarela

Porque a escola

Que deveria libertar

Parece cela

Não conduz

Não ensina

E não alimenta a alma

Migalhas

De um Estado que acorrenta

Na rua não tem abraço que acalenta

É pedrada nas ventas

Porque a pele não condiz

O cabelo não condiz

Nem mesmo o nariz

Nenhuma delas se parece com a matriz

Branca

Exigente

Que não olha pro quilombo

Nem pra favela

Mas espera que um milagre surja dela

Saindo sempre a frente na corrida

Achando que vontade basta

Para quem se esforça por comida na mesa

O menino não é herdeiro de empresa

Ele só sonha descalço

De pele preta

E sonho alto

Com o dia

Em que a periferia vai gritar

O dia que a cor da pele

Não vai mais importar

E que ninguém ouse dizer

Qual é o seu lugar

Porque o mundo será dele

Será eterna tua resistência

E não será necessário

Apenas um dia para se ter consciência

Porque ele vai ser parte do jogo

E teu lugar será o calendário todo.

- Charlene Angelim

Charlene Angelim
Enviado por Charlene Angelim em 21/11/2017
Código do texto: T6178253
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