Reflexo

Sonhei um sonho numa noite dessas.

Nele, eu vagava por umas ruas estranhas,

Sem luz, meio escuras, na penumbra,

Ruas feias, sem cor, parecendo sujas.

Daí me deparei com um salão grande,

Entrei nele, meio de fininho, meio devagarinho

Toda medrosa, assustada,

Estava em terras desconhecidas.

Lá, tinha uma bancada de cadeiras,

Como num cinema,

E uma tela no fundo de um palco.

Deslizei, devagarinho,

Até a primeira fileira de cadeiras,

Sentei-me, fiquei quietinha observado.

Lá passava um vídeo,

E estava tudo escuro,

Tinha somente a luz da tela.

Fiquei olhando o vídeo,

Era de uma pessoa numa sala gigante,

Repleto de tudo que se podia imaginar,

Coisas de comer, coisas de beber,

Coisas de usar, coisas de sarar.

Tudo, tudinho mesmo.

Olhei meio que com certa inveja,

Aquela pessoa tinha tudinho ao longo da vida,

Entendi, pelo exposto, que o salão grandão

Representava a vida daquela pessoa.

Mas notei, depois de admirar tudo aquilo,

Que aquela pessoa parecia triste,

Resmungona, reclamona, balbuciava algo com cara feia, infeliz.

Notei então, em sua mão, um pote vazio,

Que ela balançava, tentando fazer cair algo

Que não tinha mais.

Fiquei logo indignada:

Como assim!? Ela tinha de tudo na vida,

A sala, sua vida, tão repleta de cuidados,

E reclamando por algo que

Momentaneamente acabara.

Ela tinha colocado sua felicidade ali,

Naquele objeto do pote,

Enquanto a sala toda, sua vida toda,

A esperava para experimentar.

Que decepção! Que pessoa de visão limitada.

E fui assim resmungando,

Quase que querendo entrar no vídeo

Para dar-lhe umas bofetadas,

Mas, então, parei, de súbito.

Não disse nem pensei nem senti mais nada

Por um breve momento

Que me pareceu uma eternidade.

Então, respirei fundo e compreendi.

Aquela no vídeo era eu

E como eu vivia,

Como eu enxergava a vida,

Limitada, somente o que tinha nas mãos.

Nesse momento, acordei chorando.

Marta Almeida: 02/06/2022