A DOR DE SER VIVO

GÊNESE

Assim que começou
O fogo
Corri ao longo do tempo.
Senti a voluta do espaço
Açambarcar a matéria:
Girei mil vezes
No abandono secular do vazio....
E quando dei por mim
Havia uma paz transcendental
Nas esferas
Côncava e convexa...

E eu chorei...
E a natureza
Batizou-me homem....

OOOOOOOOOOOOO

CRENÇA

Não me convence
O mar
Nem a maré
De sizígia.
Não me arrogo
Timoneiro
Nem esfinge.
Apenas
Perscruto,
No infinito,
Um grito
Além de mim...

OOOOOOOOOOOOOOO

CONTRASTE

De um lado
Aquele bloco de concreto
Compacto...
Do outro
A tapera de taipa
Concreta
Amarrando o chão...

De um lado
Aquele terno e gravata
Vestidos de homem,
Do outro
Aquele pé chato, roto,
Parecendo Deus...

OOOOOOOOOOOO

QUATRO MÃOS

Num primeiro golpe
A seiva escorreu viva
E a foice voltou...

Num segundo
A terra gemeu
Na dor
Que a raiz suportou...

Por fim,
A natureza imolada chorou
E se preparou
Para a missa de sétimo dia...

OOOOOOOOOOOOOOO

MUTAÇÃO

De todas as mutações
A menos dolorosa
Foi receber a palmada,
Não deus.

E chorei ser humano,
Pois já começava a morrer.
Portanto,
Não espere por mim
Pois tenho pressa
E meu tempo me queima...

OOOOOOOOOOOOOO

ELDORADO

Não esperava
Aquela surpresa...
Por muito tempo escavei,
No chão duro,
Só,
Com as próprias mãos
À procura do sonho.
Feri a carne
E rasguei a terra,
Pacientemente,
E só desisti
Quando a borboleta amarela,
No seu voo desajeitado,
Pousou na minha poeira
Ela trazia novas
Das minhas latitudes.

Segredou-me caminhos ,
Várias vezes, ao ouvido...
Joguei fora minhas mãos
E combati de peito aberto
Ferindo a terra
E rasgando a terra...

Não esperava
Aquela surpresa...
Minhas pepitas
Estavam lá no fundo.
Muito além do meu tempo...
Muito além da poesia...

OOOOOOOOOOOOO

AFLIÇÃO

Comecei na dor
Muito cedo.
No princípio
Explodi na ambivalência
Deus/matéria.
Foi só a dor do começo...

Doeu mudar
O calor cativado...
Doeu revolver o escuro
E resvalar na luz..
Doeu a consciência
Da incerteza...

Maior, no entanto,
Que a dor do eu
Foi retornar à matéria
Depois de ser também,
Um pouco de deus...
E esta dor me comete
No calo do meu começo
Sempre que se repete
O cisma do recomeço...

OOOOOOOOOOOO

CAMINHADA

Como no princípio
Aquelas esferas pesadas
Pareciam flutuar...

Na azul já se fizera a vida
E se criara o dia,
Não a noite
Que sempre existira...

Na luz
Aqueles humanos
Eram cegos.
Nas trevas
O infinito pleno
Brindava
Os viajores
Com suas formas
Longínquas
E viandantes...