O Sonho de Reinar

O sonho de reinar, capricho sério

Ignora o império do aqui presente

No claro céu azul o esplendor etéreo

O mundo a verdejar no bosque: a mente

Constrói castelos, quer os portais abertos

Donde voem audazes desejos secretos.

Além, a quimera canta sua área veludosa

Doura o momento de amplos poderes,

Não te basta a rosa colher dos seres

Ou o pitoresco alarde da venal mariposa?

Não; é preciso singrar além do possível

O muro fere o ideal, ave sensível.

Não vive o mundo da trama dos sonhos

Antes, convulso, só tem espinho e peçonhos

Latego cruel espanca a fada noturna

Cujos feitiços tecem paraísos risonhos

Mas eis que surge a saga humana diurna

E a esperança se abate em grotesca furna.

Um vendaval soturno envolve a luta

E a incerteza tece, em voz cava e astuta

A lei do cão que forja o gesto atroz

Tanto sonho dourado morre sem voz

Tanto mágico enleio sucumbe na garganta

Do reino cruento, do reino feroz.

Um mundo ideal é a abundancia, até

Ser provada em osso, seu rei, seus dilemas!

Cada classe possui seus próprios problemas

Cada face da vida que sorri é

Contraface a uma dor, cujos emblemas

Oculta a dor velada, e do inferno a fé!