Andarilho (A busca de um lar)

Algumas poucas horas bastam

Para que o silêncio da noite vire dor e pranto

Alguns furtivos olhares bastam

Para que os dias virem cada vez mais vazios

Continuo pelas ruas sem encanto

Fui criado nas estradas

Vivi na amargura do asfalto sem fim

O cheiro do gás e do esgoto

O respirar das florestas e das nuvens

Sou apenas um andarilho

Alguém que fez do mundo uma casa

Mas no final não pertence a lugar nenhum

Alguns tristes momentos bastam

Para que o meu velho coração desabe

Apertado pelo peso dos dias que não passam

Esmagado pela dor dos tempos que não voltam

Apagado pelas cores do mundo que se espalha

E me engole em sua ânsia febril por poder

Sumo em caminhos que não conheço

Ruelas de pedra e saudade de tempos que há muito se foram

Selvas de edifícios e solidão

Apenas um segundo basta

Para que a indiferença do mundo se mostre

E eu me sinta mais só do que nunca

Abraço o asfalto com os pés

Novas estradas para lugar nenhum

Sou um andarilho

E sem voltas eu sigo

Sem lar pra chegar

Restam-me apenas a estrada,

A montanha e o luar

Sobram os sonhos pelas curvas

As cidades mortas de luzes incessantes

Ouço o silêncio dos mundos

A floresta me acolhe em seu seio

Mas não me traz de volta o mundo que um dia amei

Não me leva de volta pra casa

Onde um dia eu fui alguém

Quem se diz solitário ou carente

Decerto não conhece a solidão real

Pois não se pode descrevê-la com nada além do silêncio

Silêncio dos olhos vermelhos e fartos

Silêncio dos pés exaustos de tantas pedras

E cada vez mais longe em círculos eu vou seguindo com o peito arfante

Até que um dia o silêncio também me leve com ele pra casa