Inúteis versos

(ou ilações do poeta em noite bêbada.)

Quem sabe dos passos que dei,

quantos amores deixei,

quantas dores sofri,

e os sonhos que espalhei

e não mais os encontrei?

Quantas paisagens desenhei,

músicas compus, versos que cantei,

e onde estão, onde escondi?

Se meu corpo invade as ruas,

os quartos, os desvãos das esquinas,

quem sabe o que estive fazendo ali?

Se minha voz, em becos e vielas escuras

ecoou, ou se de surda não se fez ouvir

quem sabe das palavras que não proferi?

Se, como natureza morta,

em telas impregnadas de sombra,

ou no retrato negro da alma,

apenas um lapso, uma nesga revelou-se,

por que os rastros nos caminhos por onde passei?

(A alma , às vezes é pífia.)

Se não há mais caminhos,

por que a serra à espera,

uma estrada como um pincel bêbado?

Se na tela brilha um impossível sol,

por que a esperança trancada

na alma comatosa?

Se não existem sonhos,

por que os versos ansiosos?

A tela imóvel e imuta

trafega entre cores difusas ,

brilhos foscos, como morta insepulta,

desenhando a poesia inútil e desnecessária

do poeta sem rumo.