CANTO DA MADRUGADA

Eis me cercado por sombras e fotos antigas

Dentro de uma madrugada insolúvel

De um lado o desejo, do outro a tristeza

De ver o fogo apagado, a chama extinta,

A porta fechada, o beijo negado.

As recordações fuçam como ratos famintos

Alguns conseguem furar meu crânio

E devoram parte da minha existência

Do que eu sou a madrugada consome

O que resta? Talvez um homem.

Extraio do peito um veneno atroz

Na intenção de calar um desejo torto

Mas a cada vez que me ouço a voz

Sussurra-me do além a voz de um morto

Cerrou a madrugada a sua madre

Para que nenhum verso fertilize a musa

E nenhum poeta manifeste a sua dor

Porém esqueceu que às palavras

É dado o poder da imortalidade

E aos poetas o sentimento do amor

Eis me cercado por antigos troféus

E modorrentas criaturas

Que seguram a madrugada

Com guardanapos de seda

Transformando-a em uma grande sepultura.

Alude a alma ao canto sereno

Da última estrela que morreu

Prepara a cama com lençol vermelho

Para que o canto do galo

Sepulte de vez na manhã

Esta madrugada doída.

henrique ponttopidan
Enviado por henrique ponttopidan em 14/09/2010
Reeditado em 06/08/2011
Código do texto: T2497452