SINTAXE SÓ!

Dentro do contorno do inverso do meu ser, a poeira de cada reticência se esvai com o canto sublime do vento. E é nesse instante que a gente percebe o quanto nos faz falta um substantivo. Mesmo que seja comum como todos os outros, ou tão simples que passe despercebido por entre linhas de uma folha de caderno, colorida com rabiscos gramaticais, esquecida na primitiva gaveta do armário. Ou, quem sabe ainda, derivado de outros livros. Mas o que me entristece é saber que nada é concreto, tudo é abstrato. Sem coletivo, só solidão. Eis-me aqui, o grande sujeito em sua inexistência. O ser que não faz falta na oração, antes de dormir. E ainda que fizesse, Deus a entenderia mesmo assim. Minhas noites são períodos que se vestem de tal simplicidade e, ainda que se tornem compostos, sempre acabam no infinitivo. Por mais que a minha língua coce na boca alguma locução, não poderei jamais conjugar o verbo “haver”.

De sintagma em sintagma corre meu enunciado. Mas não estou livre de paradigmas, que me cortam em eixos transversais e me retalham em divisões sintáticas. Contudo, ainda que eu esteja em separação silábica, tenho todas as forças para juntar meus complementos, e com a ajuda de um verbo auxiliar, recompor meu predicado nominal. Em absoluto segredo. Ninguém pode ver minhas migalhas do corpo indefinido, da vida reduzida, cacos fônicos de lembranças. Os pedaços meus, estilhaços fracionários, trincam as arestas finas e sintéticas. Restos do gênero, que o tempo sopra em pó.

Vivo oculto, mergulhado em contrações doloridas. À medida que os vícios da minha linguagem tomam forma definida, afogo-me mais ainda em pensamentos anômalos. Não me sai da cabeça esta ideia tão possessiva e pessoal de ser e, sendo, existir. Quimera. Devaneio imperativo. Quanto mais clamo, mais a voz minha se torna passiva. Paciente do destino.

Estou entre vírgulas, não existo em mim mesmo. Torno-me, então, oposto. Aposto que sim! Estar entre vírgulas me impede de viver o presente, mas me recorda o passado perfeito, onde não havia transitividade e o amor era imperativo. Só que, em subordinação, é impossível declarar-me agente do meu desejo. Não passo de um objeto com ideias minúsculas, sinônimo do sobrecomum.

Talvez o meu caso reto lhe perturbe. O modo como estou a dizer, por certo, causou-lhe terror ou piedade. E é disso que eu preciso: olhares oblíquos, gestos epicenos, gritos superlativos, mãos exclamativas. Ironia de minha parte. Devo estar sendo radical de mais. Na verdade, estou. Neguei-me a assumir esta preposição imposta. Por isso, impedem-me de ser particípio. Por isso, vivo entre hifens. Por isso, sou relativo.

Sei que é ilusão querer que alguém esteja em concordância verbal comigo. E que, ainda, é mais que perfeito sonhar em ser um simples sujeito. Sempre ouvi dizerem que todo sujeito é livre para conjugar o verbo que quiser. Só eu “birrei” em ser reflexivo. Conjugar-me, ledo engano. O futuro é o meu presente que, aliás, nem sei se existe. Estais a ler as últimas linhas de um morto. Sem eufemismo. Mas como escrevo, se estou morto? É estranho. É paradoxo.

Agora, sobram-me poucos predicativos. Porém, não terminarei tudo com um ponto final. A loucura da sinestesia é o que move teus olhos por esta página, que encerra um capítulo, mas deixa em branco a página seguinte. Acho que não tens a regência do meu universo nas mãos. E o fato de termos acessórios para nossa oração me deixa mais singular. Chega! Acabou! Secaram-se minhas emoções plurais. Tudo não passou de esperança.

Resigno-me nesta oração reduzida, posto que não existe ser capaz de fazer-me uma prece. E enquanto não estivermos adjuntos, serei apenas o borrão que mancha a folha do seu caderno. Serei o desejo triste de felicidade. Você, a caneta; eu, o papel. As palavras, as palavras, as palavras ...

Durma. Sonhe. E ouça minha voz chamar-lhe baixinho, em vocativo. Em silêncio, sinta-me. Apenas sinta.

Não se sinta só.

O que escrevi é pura sintaxe.

Sintaxe.

Só...

(Texto vencedor do Concurso de Contos/2010 entre os acadêmicos do 5º peírodo de Letras/Literatura da Universidade Estadual do Maranhão e 1º lugar no Concurso de Contos do I ELAEL - Encontro LAtino-americano dos Estudantes de Letras - Brasília/2011).

Saulo Sozza
Enviado por Saulo Sozza em 29/12/2010
Reeditado em 06/03/2011
Código do texto: T2698496
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