A MOÇA DA CALÇADA

A MOÇA DA CALÇADA

Na calçada de meu prédio sentava uma moça às sete.

Fiel era a menina ao relógio implacável.

A pobre criatura não percebia que os minutos, os segundos e até as horas rasgavam sua face com sucos na derme.

A terra debaixo de seus pés silenciosa lhe preparava uma cova.

Seu rosto, dia triste, dia alegre esperava o carro de seus sonhos e pesadelos.

Por vezes, o sorriso lhe curou as rugas.

Outro dia, seu queixo feria o chão;

O chão onde todos pisam e se cansam.

A moça sonhava proibida.

A desgraça estava na praça.

Na praça da frente, perto do posto, distante da gente.

Eu a amava no silêncio.

Suas lágrimas sorvi contente.

Não lhe era parente.

Morava no mesmo prédio.

Andava na mesma rua.

Vivia o mesmo tédio.

Pois, ela não me via.

A pobre menina bonita que me enchia os olhos e acelerava o coração se foi.

O carro a levou; seu motorista vestido de terno bege era o foco do seu olhar.

No canto, a dez metros de lá, do seu costumeiro lugar de sentar, chorei sua partida.

O coração não escolhe a quem amar.

Enganoso e estranho órgão que pulsa sangue sem parar.

Em diástole e sístole ele te leva a lugares que não podes.

Crueldade da natureza!

Malvadeza!

Amar sem ser amado; uma tortura sem cura!

Nunca mais a vi.

Dizem que foi para São Paulo.

Pensei que a moça era carioca.

Beijei o lugar onde ela sentava todas as noites às sete.

Destruíram a calçada;

Construíram um Shopping.

Nada restou no chão de concreto.

- Psiu!

- Silêncio!

Vejo uma morena sentada na mesma calçada!

Vejo um amor não consumado.

Vejo um coração, agora, confortado.

Vejo-a na lembrança que ainda arde nos olhos do peito:

- Ela não tem defeito!

A culpa é da calçada...

Roosevelt leite
Enviado por Roosevelt leite em 18/09/2014
Reeditado em 24/09/2015
Código do texto: T4966432
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