Dias

Ainda não é de manhã

Vejo sombras na janela

Ouço rodas solitárias na estrada

E a atmosfera da madrugada é fria ao redor do meu corpo suado.

O embala

De certa forma, atormenta

O real me atinge

Não mais como um soco no estômago

Mas como um sopro gelado

Que me faz desejar me encolher

Que me pede para voltar a dormir

Que me implora para esquecer.

O mundo lá fora aos poucos ganha vida

Umidade e cheiro de pão fresco adentram o quarto

Trazidos pela brisa fria.

Há uma padaria aqui do lado

E nas minhas mãos

Uma xícara vazia.

Chove

Fraco

Chovisca

O barulho no telhado me conforta

A textura das cobertas me seduz

Meu corpo não é mais tão jovem

E reclama ao se arrastar para outro dia.

Acendo as luzes da casa

Os olhos levam um momento para se acostumar

Silêncio e quietude me marcam

O contraste com aqueles dias me faz querer chorar.

Me controlo

Para não reabrir velhas feridas

Elas demoram a fechar.

Algo na mesmice das manhãs me acalma

Ou talvez seja seja só a quietude

Faz um tempo que o meu gato não volta para casa

Alguém arrasta uma cadeira no andar de cima.

Tomo um banho morno

E depois outro café

Gostaria de sair para correr

Ver o sol subir no céu

Mas sei que não vou

Me lembra muito aqueles dias.

Visto algo confortável

Algo que você usaria, para ler.

Sento em frente a mesa de trabalho

É bagunçada

Me mantém ocupado

O tempo é paupável

E se prolonga

Às vezes penso que vou enlouquecer.

É de tarde

Não tenho fome

Mas preciso comer.

O eco do trânsito lá fora ecoa nas paredes do prédio

Uma multidão ao meu redor

De rostos desconhecidos

Fazem eu me sentir sozinho

E pensar em você.

Coloco algo para tocar

Tentando afastar o silêncio que aperta o meu peito

Tento continuar a trabalhar

Mas cada palavra escrita soa vazia

Um conjunto de mentiras

Criadas para vender.

A chuva volta

forte dessa vez

Embaça a janela

Desfoca a minha atenção.

Ascendo um cigarro

Havia parado

Agora não vejo o porquê.

O relógio na parede não bate, percebo

Só sei que é noite devido o fim da luz

Que deixa o cinza doente crescer.

Reviso o meu trabalho

Detesto tudo o que faço

Deleto

Não acho mais o sentido em escrever.

Volto para a cama

Mesmo não tendo feito muito, meu corpo dói

Por fora

Por dentro.

Estive trancado em casa pelos últimos dias

Eles se juntam e formam um

Único, espesso

Deslizando pelo tempo feito seiva pelo tronco

Sinto o frio

Do outro lado da cama

Invadindo o meu corpo outra vez.

Esses dias são ruins

Vivê-los faz a lembrança arder

Fazem dos que passaram algo quente

Transformam

Saturam

Intensificam

Confundem

Não sei dizer se era mesmo assim.

Mas esses dias se foram

Você também

Se foi como o sol

E eu me perdi.

Nesse lugar

Nesse tempo

Nessa vida

Dentro de mim.