Saudade

 

Você, que me persegue tanto

porque, afinal, só eu cometo

erros, e você nunca errou,

não tem coragem de secar meu pranto,

nem de acabar com todos os jogos

porque até agora a verdade não se tocou:

você muito acha sobre mim,

pelo que a roda da fortuna lhe falou,

mas pouco verdadeiramente já encontrou

e essa minha sombra

que você julga ser a minha essência

é também falta de luz que você multiplicou.

Eu não sou Deus, não sou Jesus nem o diabo

e a partir de hoje não mais me acabo

remoendo cada coisa que você já me falou.

Eu tenho consciência de que não é certo o que é errado,

que Deus existe (e só nele tenho depositado

a esperança de também ser perdoado,

pois só Nele paz de espírito tenho encontrado).

Tudo o que nós dizemos, sentimos e pensamos

sobre os outros, para nós também se materializa,

por isso tanta gente ora caminha, ora desliza

na estrada em que tanto óleo de peroba derrama

- e é assim que parece gostar de caminhar nossa raça humana:

quem se segura ri, quem escorrega reclama.

Não gosta de mim? Seja mais direto

e mostre a todo mundo o quão você é correto

nos mínimos detalhes e segundos.

Ou ainda, melhor, não me ature, apenas seja paciente:

se você está a salvo e comigo é diferente,

ali à frente Deus já encaminhou nossos dois mundos.

Não é preciso que José viva a falar mal de Raimundo,

mas, se ainda assim seu conhecimento é tão profundo,

lembre-se de ser humano para acolher

toda essa verdade que tens para oferecer.

Se você não enxerga além do que afirma,

pra mim já deu por hoje, isso só confirma 

que é melhor eu me restringir aqui no meu canto:

basta-me meu violão, lágrimas e desencanto,

tocando baixinho, ao som de muita saudade,

o tempo em que eu vivia de forma simples e com felicidade.