Que não seja um poema de amor ou dor

Quando me for decretado o fim, por capricho do destino,

então, a mim poderá ser concedida,

por benevolência dos deuses,

a escrita de um último poema.

Que não seja um poema de amor ou dor,

mas que resuma, em esforçados versos,

minha vida tão célere, embora eu tenha vivido, por meio de sentimentos transfigurados em versos, mais de dois séculos.

Que toque no fundo da alma tal como um orgasmo visceral,

como disse-me uma vez um amado mestre.

Que reflita, de cândido modo, os meus primeiros sonhos,

que me ressuscite as primeiras esperanças em sua fase mais perseverante.

Neste último poema, terei eu descoberto a essência de todas as coisas,

a razão de todos os desejos não ousados o suficiente para se exporem?

Neste último poema, terei sido amado o suficiente a ponto de não escrever um verso sequer sobre o amor?

Que meu último poema traduza com maestria

o intervalo da queda de uma lágrima ao solo,

mas que não seja, definitivamente, um poema de dor.

Pois eu nunca quis que a dor fosse meu legado, em versos, para o mundo.

Seja antes tão leve quanto uma brisa,

mas tão intenso quanto o último vulcão

que há de entrar em erupção na terra.

Rangel Sá Lima
Enviado por Rangel Sá Lima em 14/03/2017
Reeditado em 14/02/2018
Código do texto: T5940238
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