Daquilo tudo que me falta

Queria, um dia, experimentar o sabor da grandeza. E ainda que eu acredite que tenha nascido para tê-la, eu sei que na mais inorgânica das vidas, dela não viverei. Quiçá a mediocridade me acariciará a face.

A pequeneza da vida sóbria me traz a sensação de que tudo é triste e de que todas as pessoas são fingidas. Apanho, goela a baixo, uma sequência não alternada de doses. A sanidade que mantenho, ainda que não me entenda como são, é consequência lógica e direta das desvairadas desventuras que me obrigo a viver semanalmente.

Eu tenho gritado aos quatro ventos. E quando não tenho gritado, tenho, calado, sofrido como quem já desacreditou. Eis que não há, no mundo em partes ou nele inteiro, quem me diga: tens agido como louco.

Eu não tenho.

Se me sabem, como eu acho que me sei, compreender-me-ão. Desço as escadas por de trás do prédio como se existisse outra opção que não fazê-lo. Lá, tudo é tão cheio de gente. As pessoas, tão felizes sem motivo, acabam por me incentivar negativamente. Eu não sei ser feliz sem razão de sê-lo e quando a tenho, aparentemente, desisto de tentá-lo.

Talvez não seja assim tão simples a felicidade. Não há nada que me negue a materialidade de minhas conquistas. Todas elas em vão. Ponho-me, então, a dormir.

Amanheceu mais um dia. Da janela do meu quarto, sem que me vejam, eu fito as pessoas que passam na avenida. Não quero que me tenhas como louco. Eu não sou louco. Apenas gosto de observar. Todos eles me parecem tão donos de si. E eu, que sequer tenho sabido como colocar ordem em minhas roupas, eu vejo que sou só nisso tudo.

É bem verdade que, nesse mundo ridiculamente louco, ser taxado de desvairado é o ato de maior sanidade que eu já cometi - ainda que não tenha querido cometê-lo.

Eu sigo, como se pertencesse a algum tipo de ritual. Por óbvio que não o tenho, mas finjo; finjo como se cada passo que dei tivesse sido completamente premeditado. Ainda que eu saiba, no meu eu mais interno, que tenho sido totalmente imprevisível aos olhos da normalidade.

Gosto do desgosto. Da falta do querer. Gosto de saber que cada dose tem teu nome como causa. Que cada trago tem você como objeto. Fumo um maço. Talvez dois. Encho meu copo até a última gota. Scoth. Puro e quente. Outra vez. E eu sei que não será a ultima. Na sala da minha casa, sozinho, eu vejo o mundo se desmantelar. E eu - que nele hábito, mas dele não me sinto parte - deixo que se desmanche por completo.

Os Homens têm perdido a humanidade. As pessoas têm morrido de dentro pra fora, pouco em pouco. E eu, que assisto a tudo isso de camarote pela janela do meu quarto, eu desço do meu não palco sem plateias, despindo-me de qualquer esperança.

Eu fecho os olhos. Aguardo o sono que não vem, mesmo depois de outro dia sem pausas. Amanhã, amanhecerá. Levantarei, novamente. Outra vez olharei pela janela do meu quarto. Serei tido como louco num mundo de doidos, mais uma vez. Me impressionarei com mundo ou com o que sobrar dele. Retornarei cansado para casa depois de um novo dia sem mudanças. Agradecerei aos céus e todas as divindades que sequer acredito existirem e comemorarei por, na melhor das hipóteses, me sobrarem só mais uns 50 anos.