A MORENA DO BLOCO C

Todos os dias, passava.

Mechas num só revoar.

Seu salto baixo pisava

Fundo e o mundo arrastava,

Sem pretender, sem pensar.

Negras e cheias de vida,

Uma cortina de breu,

Longas, lisas, escorridas,

Lindas madeixas compridas

Canonizando o ateu.

Antes, sorria menina,

Bela no entardecer;

Em bando, solta na esquina

Ou desbravando as campinas,

Foliava sem perceber.

E a lua, quando Luzia,

Amarelada no céu,

Trocava as penas do dia

E ela, menina, crescia

Entre os olhares e o fel.

Na boca firme, carnuda,

Dentes brilhavam: cristal!

As coxas sempre desnudas,

Mamas rebeldes, pontudas,

Sempre apontando pro mal;

Mal de quem podia ver,

Mas não podia tocar;

Desapossado do ser,

Subjugado ao poder

Da deusa rudimentar.

Os olhos - toda a postura -

Irrompiam qual arpão.

A carne, a escama dura,

Imponente criatura,

Quase causava aflição!

Moça da pele morena

Que desdenhava do sol

(Aquela estrela pequena

De castigo, em quarentena);

Sabia usar o anzol.

Sem motivos pra ancorar;

Sem popa, proa ou timão,

Fez do oceano seu lar,

Nele esparrama o luar

nas noites de solidão.

Sobre a sua embarcação,

Impossível de tombar

Vai-se, por obsessão,

um covarde capitão

Condenado a naufragar;

Derrotado sem lutar,

Escorado em redondilhas,

Pedindo pra se afogar,

Precipitado no mar

E agonizando nas ilhas.

Cassio Calazans
Enviado por Cassio Calazans em 27/12/2018
Reeditado em 29/12/2018
Código do texto: T6536379
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