A MORENA DO BLOCO C
Todos os dias, passava.
Mechas num só revoar.
Seu salto baixo pisava
Fundo e o mundo arrastava,
Sem pretender, sem pensar.
Negras e cheias de vida,
Uma cortina de breu,
Longas, lisas, escorridas,
Lindas madeixas compridas
Canonizando o ateu.
Antes, sorria menina,
Bela no entardecer;
Em bando, solta na esquina
Ou desbravando as campinas,
Foliava sem perceber.
E a lua, quando Luzia,
Amarelada no céu,
Trocava as penas do dia
E ela, menina, crescia
Entre os olhares e o fel.
Na boca firme, carnuda,
Dentes brilhavam: cristal!
As coxas sempre desnudas,
Mamas rebeldes, pontudas,
Sempre apontando pro mal;
Mal de quem podia ver,
Mas não podia tocar;
Desapossado do ser,
Subjugado ao poder
Da deusa rudimentar.
Os olhos - toda a postura -
Irrompiam qual arpão.
A carne, a escama dura,
Imponente criatura,
Quase causava aflição!
Moça da pele morena
Que desdenhava do sol
(Aquela estrela pequena
De castigo, em quarentena);
Sabia usar o anzol.
Sem motivos pra ancorar;
Sem popa, proa ou timão,
Fez do oceano seu lar,
Nele esparrama o luar
nas noites de solidão.
Sobre a sua embarcação,
Impossível de tombar
Vai-se, por obsessão,
um covarde capitão
Condenado a naufragar;
Derrotado sem lutar,
Escorado em redondilhas,
Pedindo pra se afogar,
Precipitado no mar
E agonizando nas ilhas.