VELUDO CORTANTE

O fulgor do clarão nublou meus olhos

e não vi o pus no pólen da flor.

Quando a névoa se dissipou,

e a mentira ficou despetalada,

demorei, mas por fim entendi

que eu mesmo abrira a porteira

para a bruma engolir a estrada.

Feito lâminas cegas e sádicas

os dias bailavam em minha carne

e eu, sonâmbulo anestesiado,

quanto mais andava mais afundava

na areia movediça do nada,

toda ela engendrada, aos poucos,

com o pó dos sonhos mesclado às lágrimas.

Quando a névoa se dissipou

e a chuva de pedras deu uma estiada,

o pássaro selvagem pôde voltar

a cantar sobre o fio da navalha.

A vida pode até ser amarga

mas ela também é amante.

Hoje a chamo de veludo cortante.

MARCELO MOURÃO
Enviado por MARCELO MOURÃO em 31/08/2020
Reeditado em 31/08/2020
Código do texto: T7051092
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