CAIXOTES AVELUDADOS
dona morte,
sou apenas um menino,
vestido de velhas saudades, apenas;
saudades daquilo que fui,
daquilo que poderia ter sido
e daquilo que não deveria ter sido;
algumas coisas, fiz demais,
outras, fiz de menos,
e algumas, nem deveria ter feito;
fiz pequenos sonhos crescerem com pouca água,
fiz grandes sonhos morrerem afogados,
e outros tantos abortei pelo caminho por onde passei;
amei pessoas que nunca deveria ter amado,
abandonei outras que mais me amaram
e de algumas delas, nem senti falta;
ajudei pessoas que mereciam um tiro,
dei tiro em pessoas que mereciam ajuda,
enterrei ambas estrada afora;
de tanto correr por desertos e montanhas
que tropecei na suavidade das planícies
e por lá fiquei;
de tantas mentiras ouvidas, dona morte,
fiquei surdo para a verdade
e não acredito nem em mim mesmo;
estou mais perto do fim do que de onde comecei,
todo começo tem um fim,
mas todo fim gera, também, um novo começo,
só não sei onde, nem como e nem quando;
estou aqui, dona morte,
tenho menos a percorrer
do que aquilo que foi percorrido,
mas ainda estou aqui...