Visita indesejada 🕳️
sem hora marcada,
a campainha soa estridente.
em vão, ela tenta esconder-se.
— não estou a fim de fazer social,
não sou mais nenhuma criança!
a porta range com ares dramáticos,
os dedos aproximam-se do gatilho,
escorrem os últimos grãos de areia.
em vão, ela tenta esconder-se.
— vem, filhinha, a tia quer te ver!
— diga que eu saí, não quero aparecer!
— não seja mal-educada, vá lá dar oi para a tia!
passos arrastados rumo à sala de estar,
hora de ativar o modo capacho.
senta-se como uma dama, cruza as pernas,
isso também tem hora para acabar.
bem-vinda ao mundo das contradições!
o único objetivo é sobreviver!
são meras formalidades sociais,
o afeto é relegado ao segundo plano.
a ponte recolhe as informações
para implementar a própria percepção.
o desprezo desvela-se nas entrelinhas
e disparam os tiros letais ao âmago.
são necessárias semanas para refazer-se.
esses laços estão há muito apodrecidos.
reciprocidade não floresce
onde jamais houve amor.
a admiração não deve ser imposta.
norteada pelos pré-julgamentos
a tia apela para os gritos
discordando com beligerância
é infrutífero discutir com tolos.
a visão inflexível e determinista
não aceita emendas e contradições.
mestre em fazer interrupções
subestima e tripudia os anfitriões.
depois de um tempo, as máscaras sufocam
ela está farta de encarnar essa personagem
tão mal avaliada pela visitante indesejada.
o cansaço é mercenário e cobra os juros.
se nem tudo lhe cabe compreender
é possível que algum dia ela se perdoe
por todos os sutis silenciamentos
que jogaram-na ao inferno das palavras não ditas.
— estou indo embora! — avisa a tia, levantando-se do sofá.
— e já vai tarde! — ela pensa.
muito obrigada e até nunca mais!