Depois

Um pássaro cinza alcança o céu e desaparece

Parece engolido por nuvens de lágrimas iminentes

Eminentes em manto negro real que apaga a manhã

Amanhã, a soberba do alto será poça. Depois nada.

Mas, por ora, uma gota flecha o chão e se vangloria

Vã glória de instante, até sumir na garganta da terra

Enterra-se na companhia de tudo que já foi e se foi

Foi? Para onde? A gota só se esgota. Depois nada.

E depois? E depois disso tudo? Depois...

Depois!?

[tudo passou, anuviou, esgotou em vazio desbotado]

Temo, teimo e fico aqui, mas meus versos se acriançam 

e brincam de se esticar para espiar o depois disso tudo 

Arrebentam-se e choram – são crianças. Eu fico aqui.

Perdi meus versos soturnos assim que nasciam crianças

Minha palavra agora é muda que jamais se fará árvore

[tudo passou, anuviou, esgotou e mudou em vazio sem cor]

Um toque em minhas costas antes de eu dobrar a esquina

É uma poesia que dança alvorada, desperta com meu lamento

Ela me altura até eu tanger o chão e voltar a me germinar

É uma poesia filha da terra, que entoa versos de pés descalços

Rabisca o pássaro, a nuvem, a gota, a mudez, tudo e nada

Suja o cinza de arara e faz retalhos coloridos do manto real

Amassa o papel, cria e reinventa as palavras, agora libertas:

“Passareá o tempo, nuveará os olhos, gotará dia após dia,

mudará a mudez até sua voz muda de broto mudar flor”

A poesia-terra vê a pedra sempiterna rolando da montanha

e tem ouvidos ao mantra da que atravanca o meio do caminho 

Por isso é poesia-terra

Mas por ser chão, também aprendeu a viver dança 

e viverá enquanto não tocar a última música, a do silêncio

Sinto-me vazio e repleto – a filha da terra me pariu

Estou em casa desacompanhado de distâncias

Ah, deixemos o depois guardado no depois!  

Agora me descomeço incompleto de amanhãs

Apenas me abrigo poesia no pestanejar da vida

Osvaldo Júnior
Enviado por Osvaldo Júnior em 01/10/2023
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