Francina
sempre chove forte
no carnaval
[comentei em voz alta
minha avó resmungou
enquanto comia galeto cozido
[de colher
que essa quarta feira de cinzas
deveria se chamar quarta das trevas
com a voz mansa
e o olhar vago
lembrava dos desamores de outrora
calada
você tá bem?
[eu lhe disse sentado a mesa
unhrum
[assentiu com a cabeça
apenas com uma coisa ruim dentro de mim
um zunido nos ouvidos
e o peso de toda uma existência me fazendo doer as juntas
mas não se preocupa
melhor aqui que no hospital
[completou
não fosse por isso
semana passada
por guardar suas mazelas dentro do peito
desmaiou
foi parar no pronto socorro
deu um show para não ficar internada
[pra ela
hospital é tipo sala de espera pra a morte
coisa que vez ou outra
se pega imaginando
e chorando pelos cantos da casa
voinha é paradoxal
com suas rugas cheia de fatos que dariam bons poemas
e um andar cansado
sempre arrastando as havaianas pelo chão
ela reza
reza
para que seu deus
acabe com todo esse sofrimento
e de uma vez por todas
a leve
[mas não antes
de me fazer um último copo
de suco de goiaba