Francina

sempre chove forte

no carnaval

[comentei em voz alta

minha avó resmungou

enquanto comia galeto cozido

[de colher

que essa quarta feira de cinzas

deveria se chamar quarta das trevas

com a voz mansa

e o olhar vago

lembrava dos desamores de outrora

calada

você tá bem?

[eu lhe disse sentado a mesa

unhrum

[assentiu com a cabeça

apenas com uma coisa ruim dentro de mim

um zunido nos ouvidos

e o peso de toda uma existência me fazendo doer as juntas

mas não se preocupa

melhor aqui que no hospital

[completou

não fosse por isso

semana passada

por guardar suas mazelas dentro do peito

desmaiou

foi parar no pronto socorro

deu um show para não ficar internada

[pra ela

hospital é tipo sala de espera pra a morte

coisa que vez ou outra

se pega imaginando

e chorando pelos cantos da casa

voinha é paradoxal

com suas rugas cheia de fatos que dariam bons poemas

e um andar cansado

sempre arrastando as havaianas pelo chão

ela reza

reza

para que seu deus

acabe com todo esse sofrimento

e de uma vez por todas

a leve

[mas não antes

de me fazer um último copo

de suco de goiaba

Gonzaga Neto
Enviado por Gonzaga Neto em 18/02/2016
Código do texto: T5547068
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.