o meu quarto fede

o meu quarto fede

e não adianta abrir as janelas

deixar o ar e o sol entrarem

não adianta limpar a estante de quadrinhos

empestá-lo inteiramente com desinfetante coala

por que o meu quarto fede

e ponto

e mesmo que'u tirasse a cama

o guarda roupas os livros e o ventilador

nada mudaria esse cheiro sufocante

pois a mistura de roupa suja do mês passado

com toalha molhada suor e gala

tá empregnada nas paredes nas janelas

na porta e em todo chão

meu quarto fede

e ponto

várias vezes fui abandonado pela mulher de cabelos pretos

com sinal próximo ao peito que cavalgara por longos anos junto a mim

na cama de molas barulhenta

na última partida alegou que o fedor não vinha da cama

não vinha do chão não vinha da foda

não vinha do quarto

tudo que dalí exalava vinha de meus poros

os quais escorriam suor e uma angústia melancólica

da qual não podia suportar

hoje vivo de cheirar o mundo

percorrer as ruas os bares os puteiros

os cangotes e estádios de futebol

que sempre me são agradáveis ao olfato

mas toda vez que volto pra casa

toda vez que entro no quarto

me obrigo a cheirar mais uma vez a calcinha bege com laço

esquecida no fundo da bolsa

pois por mais que o fedor do quarto seja insuportável

o cheiro de saudade faz essa porra toda

parecer nada

depois de um chifre

o mundo inteiro cheira a sabão em pó

Gonzaga Neto
Enviado por Gonzaga Neto em 13/07/2016
Reeditado em 03/08/2016
Código do texto: T5696690
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