No dia que minha tia preferida morreu de velhice

no dia que minha tia preferida morreu de velhice

eu te vi sentada no banco da upa

consolando a minha mãe que se culpara por não-sei-o-quê

e o meu coração desacelerou

eu tava era dilacerado por dentro

como se a partida tivesse me puxado o intestino delgado pelo cu

a sete palmos do chão

mas saber que você tava ali

me acalmava o peito feito soltinho de seu ribeiro

bolado com página da gênese por falta de seda

e foi nesse dia qu’eu segurei o choro até na hora de reconhecer

o irreconhecível corpo inchado e esbranquiçado

coberto até o rosto por um lençol branco com a marca do hospital

mesmo sabendo que ter adiado a visita na uti para o dia seguinte

me fez perder a última chance de tirar onda com a véia

“me espera pra gente ir junto amanhã a noite” lembra?

foi só então que eu percebi que amor e morte são tênues

linhas que costuram um universo rasgado

que transpassa esse oceano turbulento que é viver ou morrer

amor e morte são inevitáveis

te atropelam quando decidem chegar

feito caminhoneiro dando ré sem olhar retrovisor

não pedem licença

só te esmagam e fogem sem prestar socorro

Gonzaga Neto
Enviado por Gonzaga Neto em 21/09/2016
Reeditado em 21/09/2016
Código do texto: T5768121
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